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    Excelentíssimos
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Excelentíssimos

    Tempo de irracionalidade

    por Bruno Carmelo

    A experiência diante deste documentário sobre o golpe de 2016 e suas consequências se revela bastante singular. Como toda investigação de um passado recente, corre o risco de relembrar ao espectador coisas de que ainda não tenha se esquecido. No entanto, pela inevitável distância em relação ao presente absoluto – todo filme implica um tempo de gestação –, não deixa de soar datado. Muito aconteceu no conturbado cenário político brasileiro desde os fatos narrados pelo documentário de Douglas Duarte. Mesmo assim, o cineasta tenta se colar o mais próximo possível da experiência urgente, ao vivo. Ele inclusive explica que os fatos constituíam a conjuntura atual “até quando este filme foi montado”, como se pedisse desculpas por não poder ir além, por precisar concluir o projeto em algum momento.

    Excelentíssimos parte, portanto, de uma frustração indissociável às especificidades da linguagem cinematográfica. Como representação, não pode ser o real, tampouco fornecer um olhar “objetivo”. Como processo, não pode se colar ao presente absoluto. Como evocação de uma história em andamento, é incapaz de se distanciar de seu objeto de estudo. Apesar de concluído, o filme não deixa de ser um work in progress, a primeira parte das reviravoltas políticas que vierem em seguida, quaisquer que sejam. Pela vontade de abarcar a complexidade política nacional inteira, mostrando todos os lados e condensando os principais fatos, resulta ao mesmo tempo ambicioso e ingênuo.

    Além disso, torna-se inchado: suas 2h30 de duração transmitem a dificuldade de abrir mão de tantas cenas tragicômicas envolvendo Lula, Dilma Rousseff, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Janaína Paschoal, Jair Bolsonaro etc. No entanto, o projeto poderia ser ainda mais longo, ou um tanto mais curto. Pouco importa: se a sua intenção é contar tudo, nenhum recorte temporal é exclusivo ou mais apropriado do que outro. Outras passagens relativas ao período 2014-2018 poderiam ter sido incluídas, assim como cenas presentes no filme poderiam ser retiradas sem grande prejuízo ao conjunto. Paira uma estranha sensação de aleatoriedade neste “filme de montagem” para o qual a montagem constitui uma colagem de melhores momentos.

    O projeto pode ser questionado sobretudo pela incapacidade de imprimir um ponto de vista. Existe uma afinidade política evidente com as ideias progressistas da esquerda, o que não implica a emissão de um discurso claro sobre os materiais abordados. Ao reconstruir os principais fatos políticos desde 2014 com narração didática e divisão em capítulos, o formato soa linear demais, como se pudesse compreender a História pelas simples relações de causa e consequência, de antes e depois. Duarte recorre à descrição e explicação, dizendo que “então Cunha aceitou o pedido de impeachment”, “assim Lula teve seus direitos políticos cassados”, “por isso Dilma buscou se reaproximar dos grupos sociais” etc. Como material pedagógico, cumpre seu objetivo com clareza. Como veículo artístico, tem pouco a dizer para além da constatação dos fatos.

    O Processo, documentário recente de Maria Augusta Ramos sobre o mesmo tema, fazia questão de adotar um ponto de vista específico: a cineasta se concentrava nos altos escalões do PT e no aparato jurídico à disposição dos senadores para frear o processo de impeachment. Em outras palavras, estudava uma parte capaz de refletir o todo. Como bom projeto de pesquisa, tinha um objeto preciso, além de um objetivo e uma hipótese. Excelentíssimos, por sua vez, deseja estar ao mesmo tempo dentro da Câmara e fora dela, mostrando os argumentos da direita e da esquerda, nos movimentos sociais pró-PT e pró-Eduardo Cunha, nas sessões plenárias mais emblemáticas – a famosa votação dos deputados “em nome de Deus, da minha família, do meu time de futebol” – e também em outras sessões menos conhecidas. O filme dedica-se tanto à descrição cronológica de eventos que não reflete sobre as implicações dos mesmos. Ele narra o poder, mas não pensa sobre o poder.

    O documentário conclui-se como um resumo do passado presente, cuja preocupação com o conteúdo político permite negligenciar a forma, a exemplo das entrevistas em que sequer se ouve as perguntas. Neste sentido, não se diferencia tanto de uma reportagem jornalística para a qual a maior importância é estar in loco, perto das pessoas importantes, mesmo que as respostas destas sejam padronizadas ou evasivas. Talvez a importância do projeto seja de natureza retórica: ele soa ousado por existir, corajoso por ter chegado perto de Aécio Neves, por ter extraído falas despudoradas de Carlos Marun, por relembrar as acusações-choque de Jean Wyllys e Glauber Braga. Nada disso é particularmente novo, porém o filme carrega o mérito de ter estado lá. 

    Sem argumentos de ordem lógica, acaba por fomentar a histeria dos nossos tempos polarizados: dentro da sala de cinema, as pessoas gritavam ferozmente com a tela, aplaudindo seus heróis e vaiando seus vilões. Os espectadores desta atípica sessão agiam como num culto, ou como se estivessem diante das pessoas reais, e não da representação imagética das mesmas. Há um fator infantil, ou mesmo lúdico, no fato de se gritar a uma imagem, expurgar paixões contra uma tela, como numa catarse coletiva protegida pelo anonimato da sala escura. Excelentíssimos dialoga com a parte mais epidérmica dos indivíduos, numa era tão contrária à racionalidade. Ele fornece alimento para o ódio da direita e da esquerda, assim como para o amor da direita e da esquerda. Mas não contribui para fomentar um debate.

    Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.

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