Minha conta
    Grass
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Grass

    A indústria Sangsoo

    por Taiani Mendes

    Há cerca de uma década o cineasta Hong Sangsoo assumiu o modelo de produção a toque de caixa, lançando até três filmes por ano. Suas tramas simples, sem elenco numeroso, com fotografia padronizada, interessadas no estudo de relacionamentos e oscilantes entre o espirituoso e o melancólico, se encaixam perfeitamente no modelo de fast cinema que ora assemelha-se a uma brincadeira, ora se apresenta como uma estratégia muito bem pensada de instigação à reflexão.

    Grass, primeiro fruto da safra 2018, imbui o espectador numa rasa, porém com água densa, piscina de referências à filmografia do cineasta, usando para tal caras, personagens e cenários reconhecíveis. Cheira a picaretagem o descomplicado conto em pouco mais de 60 minutos da jovem (Kim Min-hee, em sua 5ª colaboração com o realizador) que, confortavelmente instalada no canto de um café, espia os contatos que ocorrem nas mesas próximas.

    Atores, roteiristas, cineastas, artistas estão representados em todas as duplas, compostas por um homem e uma mulher que partem do papo trivial para resoluções que transformam as relações. Sem cortes, o ping-pong vai num crescendo (musical e dramático) que eventualmente desvela comportamentos passivo-agressivos, o que pode ser verdade ou construção da observadora atenta e sedenta por drama, que em seu computador registra e incrementa as histórias de acordo com sua imaginação e interpretação.

    Uma primeira transgressão do formato ocorre quando a testemunha entra no jogo, notada por um de seus "personagens" e levada a dar sua contribuição à experiência estabelecendo com ele um diálogo nos moldes dos anteriores. Essa polivalência tem o espírito jocoso de Sangsoo, que é brilhante nas interações entre a ouvinte mal disfarçada e os espiados, mas não tão feliz ao retirá-la de seu posto, investindo numa segunda transgressão, mais radical, em que se embrenha na vida pessoal da protagonista discreta (quando sua expressão através do outro era extremamente mais instigante) e o confinamento espacial específico é abandonado.

    Essa "indisciplina" soa como reflexo da afirmação dela de que não é escritora, apenas está escrevendo - portanto livre e ao mesmo tempo submetida ao poder absoluto de Sangsoo, que faz questão de ligar certos pontos, completando inclusive o que ela não se deu ao trabalho de fazer. Só está filmando, mas é cineasta. O "não é para os outros lerem" que a dita escrevedora também brada, no entanto, faz bastante sentido na avaliação final de que Grass parece um exercício de memória e linguagem, um rascunho para uma prova sobre sua própria obra, o produto de um dia de economia de energia na fábrica de filmes Sangsoo, vendido meramente pela grife.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top