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    Loucas Noites com Emily
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Loucas Noites com Emily

    Significados ocultos

    por Barbara Demerov

    É triste constatar, mas Emily Dickinson foi uma poetisa que não vivenciou a fama que merecia. Dentre mais de 1800 poemas, ela viu apenas um número menor que 20 ser publicado em jornais e revistas. Sua inteligência se ressaltava na escrita, mas sua vontade de reclusão a acompanhou por um grande período da vida - o que, de um jeito ou de outro, acabou ajudando na criação de sua obra. Tal discrição é abordada com atenção e boas pitadas de humor em Loucas Noites com Emily, que constrói com requinte uma imagem que deve se aproximar bastante com a da poetisa.

    Com uma estrutura que remete ao teatro, montagem ágil e roteiro afiado que mergulha na ironia e no drama, o longa de Madeleine Olnek é, para início de conversa, uma fascinante viagem no tempo. A narração em voiceover (que não é a de Emily mas sim de Mabel, a primeira editora da obra da protagonista) demonstra a intenção da diretora em mostrar que a poetisa nunca teve a chance de contar ao mundo quem ela era de fato. Seus poemas ainda se mantém um tanto quanto misteriosos até hoje, assim como seu relacionamento com a amiga e cunhada Susan Dickinson. Mas o filme faz questão de tratar este lado pouco conhecido.

    Na mesma medida em que é adorável pela ambientação e pelas atuações (especialmente de Molly Shannon), Loucas Noites com Emily também consegue ser triste. A diretora consegue passar a sinceridade do relacionamento afetivo entre Emily e Susan de forma belíssima, juntando seus momentos com os poemas reais da autora, expostos verso a verso em tela. Ao vermos este lado quase nada conhecido pelo público, Emily se torna muito mais do que a genial figura histórica; aqui, ela é apenas uma mulher que quer ser ouvida (e lida) sem medo de ser plenamente sincera.

    A inclusão de Mabel, a contraditória editora que foi amante do marido de Susan, é importantíssima para entregar uma boa dose de dramaticidade, por mais que aparente ser inofensiva. Sua aproximação com a família Dickinson e, consequentemente, suas ações após a morte precoce de Emily ditaram uma mudança no curso do legado da escritora. Ao optar por apagar traços em suas poesias - como o nome de Susan, inúmeras vezes repetido -, ela retardou por décadas o real significado de sua obra: o amor que não era destinado a homens, mas sim a uma mulher.

    O filme apresenta todos estes acontecimentos de forma dinâmica, que não se desgasta em momento algum especialmente pelo fato de saber dosar bem os momentos cômicos. Não há exagero em mostrar o humor porque Emily certamente era uma figura graciosa, mesmo que com sua presença um pouco afastada. A humanização desenvolvida é uma das maiores qualidades do roteiro, que apesar de ser ligeiro, é bastante compreensível.

    Se Emily Dickinson manteve-se por muitos anos no patamar de figuras da literatura que eram difíceis de serem compreendidas, Loucas Noites com Emily aparece para nos aproximar um pouco da mesma. E, se mesmo com o passar da história você não se sentir completamente inserido dentro deste universo, muito provavelmente a última cena, dividida entre dois momentos comoventes que exprimem a palavra "perda" de formas diferentes, ficará em sua mente por um tempo. Emily pode não ter visto sua obra alcançar o mundo, mas viveu o suficiente para registrar momentos-chave e dividir com todos nós.

    Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.

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