Já tenho por tradição priorizar cinematografias “exóticas” e filmes que certamente ficarão pouco tempo em cartaz, pois sei que apesar de inúmeras salas na cidade, há uma concentração exacerbada nos blockbusters, o que faz com que filmes artísticos ou arrojados (quando não os que além de um e outro são controversos) fiquem mesmo não mais que uma semana em exibição. É o caso do brasileiro (e cearense), Inferninho. Apesar de premiadíssimo, com mais de 10 troféus na bagagem, incluindo um do Festival do Rio, tem todos os ingredientes para atrair poucos, ainda que tenha qualidades superiores à de boa parte dos que permanecem meses ocupando espaço. Para começar, o filme traz o universo queer para a tela, com uma cenografia e arte com impecável tratamento kitsch, seu grande atributo estilístico. Possui um extremo apuro na concepção de figurinos e maquiagem dentro desta proposta e uma fotografia incrível. Como o próprio título do filme indica, trata-se de um inferninho, algo que já desperta imagens de melodrama, de exagero, de gueto, de muito brilho e saturação nos elementos e um clima de decadência, de bas fonds, de marginalidade, em todas as acepções possíveis do termo. Mas Inferninho guarda uma humanidade incontestável na apresentação de uma “fauna” que se reconhece na sua ausência de compromisso com os padrões dominantes. Esses “outsiders” não necessitam trocar informações ou diálogos para que a audiência detecte a cumplicidade ali existente. Inferninho é um local claustrofóbico em que a luz e o ar não entram, reforçando a ideia de confinamento, de invisibilidade social, salvo quando sua existência física colide com os interesses do Estado. Os tipos, visualmente bem delineados e cujas principais personagens exploram arquétipos da sociedade dominante na trama, demonstram uma solidão notável que transforma o local em inesperado lar, onde podem ser o que são sem julgamentos. Há visíveis referências ao clássico Querelle de Rainer Werner Fassbinder e relação estilística também com os nacionais Tatuagem e Paraíso Perdido, ao trazer o universo popular e o gênero brega ou teatral à cena. Enfim, um filme que se inscreve de cara como “cult movie”, desde já um clássico do cinema “trash”, porém com acabamento exemplar, nada amadorístico. Empreitada dos diretores e roteiristas Guto Parente e Pedro Diógenes, utilizando como base do elenco o grupo cearense Bagaceira, tem nas atuações de Yuri Yamamoto (Deusimar), Samya De Lavor (Luizianne) e Rafael Martins (Coelho) seu grande destaque. Se você o perdeu e se interessar quer pelo universo, quer pelo tratamento artístico, procure vê-lo, pois o resultado é surpreendente. Inovação e arte na veia em título ímpar. Amei!