Tudo ou nada?
por Barbara DemerovATENÇÃO! A crítica pode conter spoilers do filme.
Estou Pensando em Acabar com Tudo oscila entre ser aquele tipo de filme que entrega tudo e nada ao mesmo tempo. É evidente que a intenção do roteirista e diretor Charlie Kaufman é fazer com que o espectador se concentre e capte todos os pensamentos da jovem mulher (Jessie Buckley) que ecoam pela narração. A ausência de pertencimento da protagonista - e de todos os personagens em cena - reflete diretamente no percurso deste capítulo excêntrico que pode não entregar tantas reflexões, mas chama a atenção pela proposta de adentrar em espaços inquietantes, como em um sonho que nunca se encerra.
Para quem não é familiarizado com o livro que deu origem a esta adaptação cinematográfica, a compreensão de toda a história vem aos poucos, como se cada diálogo e olhar da protagonista, que quebram a quarta parede, fossem necessários para o entendimento completo de quem a acompanha. E realmente é isso, pois Estou Pensando em Acabar com Tudo não envolve apenas os devaneios de uma mente ansiosa para acabar um relacionamento. É também um mergulho na psique humana, por mais que nunca tenhamos um verdadeiro norte. Eventualmente, a aleatoriedade da composição cinematográfica que Kaufman guia é o que nos entrega a resposta - que pode chegar ao espectador das formas mais variadas diante do uso de imagens que flertam com o utópico e o realismo incômodo.
Apoiando-se na angústia da jovem ao já considerar aquela visita aos sogros um acontecimento do passado, ao longo da viagem do jovem casal de namorados Kaufman toma certas liberdades para falar sobre teatro, cinema e arte no geral, que não pertencem à obra original. É evidente a intenção do diretor em se apegar aos detalhes dos diálogos entre dois personagens misteriosos para, então, promover um desconforto ainda maior diante do que não é possível adivinhar. Sendo assim, o que nos prende nesta experiência tão anormal?
A começar, a transformação da experiência, que começa com traços românticos e entra numa espiral de aleatoriedades e repetições. E, não menos importante, as ótimas performances de Jesse Plemons e Jessie Buckley, que interpretam o casal em questão com bastante intensidade - especialmente Buckley, que compreende a dimensão de sua personagem no sentido de estar e não estar ali; um choque relevante para toda a experiência. Porém, o outro lado da moeda é o fato de o roteiro se prolongar demasiadamente na sensação quase claustrofóbica da moça diante do tempo - aqui, tão volátil e impreciso.
Em breves pausas que parecem não se encaixar com o todo, Kaufman aproveita a chance de falar sobre cinema dentro de um filme ao incluir trechos exatos de uma crítica de Pauline Kael sobre um longa de John Cassavettes. Mas até mesmo cenas como essa - que não produzem efeito direto nas consequências da trama - acabam tendo certo peso. Assim como os cortes secos, os ângulos de câmera e o uso do zoom in e out, que servem como uma lente de aumento para provar que algo ali não está certo.
Em certos momentos, o personagem Jake (Plemmons) pergunta à moça o que ela havia dito, sendo que suas palavras foram apenas mentalizadas. O desconforto da personagem é progressivo, na medida em que ela mesma afirma não saber mais em qual ponto do tempo está. "Parece que faz tanto tempo", diz. Estou Pensando em Acabar com Tudo não se prende a certezas. No fundo, a trama não é tão incompreensível - assim como a contemplação prometida se perde no propósito de entrar num labirinto para propor uma análise do todo. Por fim, o artifício mais interessante da obra recai na capacidade de Kaufman e da dupla de atores garantirem bons momentos ao tocar no que está entre o tudo e o nada. Pode não ser extraordinário, mas ainda assim existe algo.