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    Paulistas
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Paulistas

    Terra dura

    por Rodrigo Torres

    Soledade e a cidade que intitula o filme Paulistas são localidades no sul de Goiás que sofrem historicamente com danos ambientais gravíssimos: seja pela monocultura que agride o solo, a flora e a fauna da região; seja pela construção da hidrelétrica da Serra do Facão, que degradou o habitat biologicamente rico e a vida dos habitantes da região. A consequência social disso foi o êxodo rural da população jovem das duas comunidades, assim condenadas ao desaparecimento humano na visão pessimista do cineasta Daniel Nolasco.

    O diretor e roteirista ilustra esse aspecto com inteligência visual. Filiando Paulistas ao documentário observacional, Nolasco investe em planos estáticos e espaços interiores, fechados, ao encenar a vida dos habitantes remanescentes, retratados praticando serviços braçais, domésticos ou a assistência médica dos vizinhos. Os diálogos entre eles são banais e sua expressão é invariavelmente desgastada, além de envelhecida. Gente deteriorada como o habitat biológico da região, mas também seus espaços físicos, formado por casas de estrutura rachada, sem piso, precárias.

    Nesse sentido, Daniel Nolasco remonta a um cinema regional (de apreensão do cotidiano do interior e imersão do espectador no cenário contemplado) que vinha sendo constante no circuito de arte brasileiro recente, tendo produzido pérolas de ficção naturalistas como Girimunho e Histórias Que Só Existem Quando Lembradas, ambos de 2011. O que afasta Paulistas desses dois pequenos grandes filmes, porém, é a abordagem do realizador. A pessoalidade do projeto é vertida em um ponto de conflito tênue: a proposta de não mais que retratar o abismo cultural entre a gente de outro tempo que permaneceu no local (também parado no tempo) e seus filhos, que conheceram a modernidade ao partir para Catalão e outras áreas urbanas do país.

    Os ruídos típicos da vida rural, muito bem realçados pelo design de som da obra, são violentados pelas máquinas das motocicletas e pela trilha sonora roqueira que entoa essas viagens. A câmera adota um ritmo mais dinâmico, móvel, e as tomadas ganham amplitude, aspectos que denotam a vida de mais energia e horizontes de quem volta das cidades para as férias no campo. Assim, Nolasco demonstra um talento inegável e o anseio louvável de construir significado por meio da imagem — a forma a serviço do conteúdo, com elegância e excelência. O problema é constatar a escassez de uma moral ou sentidos, pautas e reflexões para além da premissa.

    Por isso, quando os irmãos Samuel, Vinícius e Rafael praticam tiro ao alvo em uma televisão, condenando a modernidade que promoveu o atraso de Paulistas e Soledad, a busca por semiótica (em vez de sua captação espontânea) em um registro documental sucumbe à clara manipulação de um significado óbvio, de autoconsciência deslocada do tipo de cinema proposto (depreender uma realidade por meio da observação), incorrendo em repetição e superficialidade. Uma pena em se tratando de uma obra com boa articulação de linguagem visual e um cineasta com claro futuro na profissão. Ainda assim, são problemas que não anulam os méritos da produção.

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