Ponto de maturação
por Francisco RussoO espectador ainda não sabe, mas a cena de abertura de Raia 4 traz um forte simbolismo do que virá a ser a narrativa deste longa-metragem. Em bela imagem subaquática, pode-se acompanhar uma garota em posição fetal, os cabelos soltos na água, como se estivesse prestes a deixar o ventre. Tal nascimento é metafórico, relacionado ao momento de descoberta do mundo a partir da iniciação sexual. Ou, como o filme prefere dizer, de maturação.
Tal jornada é apresentada a partir de Amanda (Bridia Moni, introspectiva), uma jovem de 12 anos que ainda transita entre o universo infantil e o súbito interesse pelo corpo alheio. Um tanto quanto afastada dos pais, apesar de uma certa tentativa de aproximação por parte de sua mãe, ela se mantém distante mesmo dos colegas, não só por incompreensão do momento vivido mas também por não saber se colocar diante do que sente: Amanda nutre um interesse crescente por Priscilla (Kethelen Guadagnini), sua colega dos treinos de natação. E não tem a menor ideia sobre como se declarar, ou mesmo se deve se declarar. Prefere observá-la à distância, como se fosse um objeto de desejo intocável.
Tamanha ambientação é apresentada com delicadeza pelo diretor e roteirista Emiliano Cunha, que prefere se ater a olhares e minimalismos do que grandes arroubos de narrativa. Motivos para isto até há: situado em uma equipe de natação formada exclusivamente por pré-adolescentes, Raia 4 até entrega algumas cenas de competição entre os jovens, mas jamais as torna o objetivo a ser atingido. Servem muito mais para ressaltar a rivalidade existente e, também, o quanto Amanda está imune - ao menos momentamente - à pressão inerente da vitória ou derrota nas águas. Ela pouco se importa.
Ainda neste aspecto, vale ressaltar a hábil decisão em situar o longa-metragem neste universo de atletas na fase pré-adolescente, ainda mais em um esporte cujos corpos são constantemente expostos como a natação. Em um clima de pegação inerente, mas ingênuo dentro do que a sexualidade ainda irá aflorar, Amanda volta e meia é confrontada com os interesses de quem está à sua volta, com se fosse um estímulo social ao seu despertar. Inclusive, há uma pressão maior deste meio do que propriamente das competições, no sentido dela tomar alguma atitude. A espera decorrente de tais momentos é, também, elemento da narrativa.
Por mais que seja bem conceituado e até executado, com uma fotografia repleta de belas cenas embaixo d'água, Raia 4 possui um problema crucial que prejudica bastante o longa-metragem: a repetição ad eternum dos mesmos códigos de narrativa. Em seu esforço em ambientar os interesses de Amanda no universo ao seu redor, o filme gira em círculos apresentando as mesmas dinâmicas de personagens: a atração por Priscilla, a distância dos pais, o clima de pegação entre os colegas, os treinos de natação, a prima Júlia como resquício de uma infância que se esvai cada vez mais, o isolamento de todos e os momentos de paz dentro d'água. Por mais que tal círculo vicioso seja intencional dentro da narrativa, sustentá-lo por 95 minutos torna o filme bastante arrastado e cansativo.
Além disto, em vários momentos pode-se notar um interesse maior em apresentar sequências esteticamente belas do que propriamente necessárias para a narrativa. O exemplo maior é toda a cena dentro do cinema, muito bem trabalhada em relação á movimentação de câmera - até mesmo surpreendendo o espectador, pela mudança de foco - mas cuja função é reafirmar, mais uma vez, o quanto Amanda está deslocada de todos os demais de sua idade. Desnecessário.
Com um elenco desenvolto de jovens, onde não há propriamente um brilho maior em atuações apenas corretas, Raia 4 se destaca mais pela forma do que pelo conteúdo, também pela dificuldade em sustentar sua narrativa com tão pouco a dizer, além das percepções sensíveis de uma jovem cuja sexualidade está a aflorar.
Filme visto no 47º Festival de Gramado, em agosto de 2019.