Comédia perfeita
por Lucas SalgadoO número de estrelas que um filme recebe indica geralmente o sentimento do crítico naquele instante em que assistiu. Muitas vezes, o tempo pode transformar uma produção em um clássico ou deixa-la no esquecimento, independentemente da cotação que o longa recebeu em sua estreia. De volta aos cinemas para marcar os 50 anos da morte de Marilyn Monroe, Quanto Mais Quente Melhor não corre esse risco. Já tem seu lugar garantido na história da sétima arte como uma das melhores comédias de todos os tempos e vê-lo nos dias de hoje só reforça sua qualidade, afinal ainda é divertido, inteligente e cativante, mesmo para um público mais sagaz e (bem) menos paciente como o da atualidade.
Dirigido pelo gênio Billy Wilder, responsáveis por outras obras-primas como Crepúsculo dos Deuses, Se Meu Apartamento Falasse e Farrapo Humano, o filme conta a história de Joe e Terry, dois músicos desempregados que acabam testemunhando um massacre cometido por gângsteres. Para escapar dos criminosos, eles disfarçam-se de mulheres em uma banda feminina que viaja de trem para a Flórida. Joe é vivido por Tony Curtis, enquanto que Terry é interpretado por Jack Lemmon. Os dois lendários atores realizam atuações marcantes, protagonizando inúmeras cenas engraçadíssimas.
Durante a viagem, a dupla conhece Sugar Kane, vocalista da banda, que sonha em arranjar um milionário para se casar. Os dois se encantam por ela, mas devem se manter disfarçados pois continuam correndo risco. Sugar é vivida por Marilyn Monroe em um de seus papéis mais graciosos. Como sempre, ela também exala sensualidade e conquista o espectador através de sua dança e voz. É difícil não se apaixonar por ela ao mesmo tempo que os personagens de Curtis e Lemmon. A atriz muitas vezes sofreu com preconceito daqueles que a viam apenas como uma loira sexy. Na verdade, a imagem dela sofre com isso ainda após seu falecimento, em 5 de agosto de 1962. Mas Marilyn também era uma grande atriz, com a capacidade rara de roubar todas as cenas em que participa. Sua não indicação ao Oscar pela performance como Sugar sempre foi vista como uma injustiça em Hollywood.
Falando em premiações, o longa só conquistou uma estatueta no prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, tendo recebido seis indicações, não incluindo Melhor Filme. O único Oscar foi para a Melhor Maquiagem de Orry-Kelly. A maquiadora, inclusive, deveria dividir o prêmio com Wilder, pois foi ele quem insistiu que o filme fosse em preto e branco. Monroe queria que fosse colorido, mas o diretor explicou que se usasse cores não conseguiria disfarçar as barbas de Curtis e Lemmon tão bem.
Tendo em vista o enredo, não é difícil perceber que a trilha sonora é uma das forças da produções, mas deve-se destacar ainda a direção de fotografia de Charles B. Lang. A chegade de Joe e Jerry já caracterizados como mulheres na estação de trem mostra bem o trabalho de câmera elegante, pegando-os de costas e reforçando o reflexo produzido pelo chão molhado. Marilyn é apresentada neste cena, surgindo imponente. Curioso notar que a personagem da estrela é pega de surpresa por uma saída de vapor do trem, numa referência à clássica cena do vestido na saída do metrô em O Pecado Mora ao Lado, também de Wilder.
Some Like It Hot conta ainda com ótimas participações de George Raft e Joe E. Brown. O primeiro interpreta o gângster Spats Columbo, que é quase que uma paródia ao seu personagem em Scarface, a Vergonha de uma Nação, de Howard Hawks. Já o segundo, brilha na pele do milionário Osgood Fielding III, que se apaixona por Daphne, que na verdade é a versão feminina de Jerry.
O filme termina com uma frase simples: "Ninguém é perfeito." E este pode ser apontado como um dos encerramentos mais marcantes da história. Resume a história e os personagens em apenas três palavrinhas e ainda oferece uma situação final absolutamente corajosa e interessante. É impossível esquecer o término do filme, mas é importante saber que tudo que leva até ele também é extraordinário e merecedor de aplausos.