Acesso raro
por Lucas SalgadoVocê talvez já tenha ouvido falar em M.I.A., cantora inglesa de decendência do Sri Lanka que recebeu indicações ao Grammy e ao Oscar e foi considerada pela Rolling Stone uma das mais importantes artistas dos anos 2000. Mas você provavelmente não sabe quem é Maya Arulpragasam.
Pois bem, o documentário Matangi / Maya / M.I.A. serve justamente para mostrar que as duas são a mesma pessoa. Na verdade, o longa serve para muito mais que isso. É um mergulho na vida da artista e funciona como uma lupa para se entender não apenas o processo criativo, mas também a necessidade de se expressar diante das coisas que afetam sua vida, mesmo que indiretamente.
Maya cresceu no Sri Lanka, com origem tâmil, numa área afetada por anos por uma guerra civil. Ela se mudou para Londres aos 11 anos, já sem a companhia do pai, que ficou no país para lutar a guerra. No Reino Unido, cresceu sob o estigma de ser de uma família de refugiados, sem pertencer ao local. Curiosamente, no futuro, já como artista de sucesso, foi julgada por ser uma pessoa falando pelos problemas do Sri Lanka vivendo confortavelmente em Londres.
Neste sentido, é interessante notar que a artista vive sobre um estado permanente de julgamento por parte da mídia e das pessoas, o que, obviamente, colabora para sua necessidade de se expressar.
O filme começa acompanhando a gravação de um clipe recente da cantora. Nos bastidores, ela revela que sonhava em ser uma documentarista antes mesmo de entrar para a faculdade de artes. E aí está o ponto chave de Matangi / Maya / M.I.A.. A paixão da artista por documentários fez com que registrasse desde pequena vários momentos de sua vida, desde conversas pessoais às primeiras oportunidades no campo da música.
Utilizando-se dessas imagens de arquivo, o longa consegue como poucos documentários vistos antes passar a ideia de crescimento e evolução de personagem. É uma sensação meio Boyhood, em que o espectador tem a oportunidade de ver Maya em vários pontos significativos de sua vida. Temos desde um reencontro com o pai até bastidores dos primeiros grandes shows.
Apenas os relacionamentos amorosos e o filho são mais resguardados. Com isso, o público tem a chance de realmente conhecer M.A.I., e também entender melhor sua trajetória. Ainda que alguns possam achar seu ativismo uma jogada de marketing, o filme mostra bem como isso faz parte considerável do dia a dia da artista. E não é algo de agora.
Stephen Loveridge é o responsável pela direção do documentário. Mas as imagens de arquivo são tão importantes, que é estranho que a própria Maya não seja creditada como codiretora. Há de se valorizar, no entanto, a decisão do cineasta de não usar depoimentos gravados para o filme. Todos os familiares vistos em cena, falam através do olhar de Maya. Também não temos especialistas musicais ou outros artistas. Loveridge mescla as cenas de arquivo pessoal com imagens de matérias televisivas e apresentações.
Não há nada pior do que ver um documentário sobre um artista e sair com a impressão de que não aprendeu nada de novo sobre o mesmo. Então, isso definitivamente não acontece aqui.
Filme visto no Festival do Rio, em novembro de 2018.