O TRADUTOR, pode ser visto apenas como o relato social e político do final da década de 80, em Cuba. Ou ainda como uma história familiar, contado por dois filhos sobre um pai calado e introvertido, mas capaz de atitudes heroicas. Porém traz uma narrativa que pode ser olhada sobre o foco do cuidado humano em situações extremas: crianças condenadas a morte lenta e sofrida, pelo acidente nuclear de Chernobyl. Malin, um tímido professor de literatura russa ( aí está nosso Rodrigo Santoro falando espanhol e russo), é destacado pelo estado para traduzir as equipes de saúde para pacientes e familiares russos. Contrariado e profundamente angustiado diante da dor das crianças, sem poder se expressar com familiares, Malin lança mão dos instrumentos que conhece: literatura e arte. Passa a contar histórias, ouvir histórias, promover salas de leitura e desenho, e ainda trocar mensagens entre pequenos pacientes isolados. É capaz então de contrapor seus próprios medos e limitações com o que se passa no hospital: dor, perdas e morte. Além disso, Malin se tornar integralmente presente para pacientes e familiares, fazendo de si um instrumento terapêutico de conforto e segurança. Boa parte dos profissionais de saúde não vive ou não consegue viver e valorizar essa experiência. Uma das cenas que representa bem essa diferença é aquela em que Malin reage a uma das mães, que se mostra impaciente com a filha doente, dizendo à mãe, que ela estava ali COM a filha, mas não estava ali PARA a filha. Sofremos nesses tempos, dessa carência. Equipes de saúde não estão realmente presentes para as pessoas, estão em "modo automático", realizando atividades técnicas e procedimentos em corpos passivos, "sem alma". Como mostra muito bem o drama real, envolver-se tem um preço, alto com frequência. Malin sobrevive diferente, inteiro, outro. O ônus inclui o distanciamento familiar. Resgatar esse ônus, que está em qualquer escolha dessa dimensão, é possível quando se preserva a essência de quem somos. Nesse sentido, O TRADUTOR tem muito a ensinar, muito a refletir, em especial para quem cuida do outro, na saúde mental ou física. Certamente que o contexto familiar (conjugal, filial), comunitário e social da história tem outros elementos igualmente preciosos. Escolhi ficar com a delicadeza de bilhetes trocados entre crianças levadas para longe de sua pátria, diante da morte. Malin, foi um mestre na tradução de vida e esperança. Uma boa história, trazendo todos as diretrizes de um movimento atual, de resgate da humanização na relação médico/paciente, criado pela médica Rita Charon: Medicina Narrativa.