A selfie mágica
por Francisco RussoO fascínio pela viagem no tempo já gerou inúmeros filmes, dos mais diversos gêneros, mas há no cinema uma obsessão pelas idas e vindas da adolescência à fase adulta, ou vice-versa, de forma a aprender com os erros do passado/futuro. Sob este aspecto, Eu Sou Mais Eu não é nem um pouco original e isto não é um problema: o filme aborda de forma escancarada tal clichê, seja citando exemplares clássicos do subgênero ou mesmo se apropriando de referências da cultura pop, no intuito de trazer um molho brasileiro a uma trama tão batida. A grande questão é como isto acontece, e tal questionamento passa muito pela presença de Kéfera como protagonista.
Antes de tudo, é importante ressaltar que tal análise não passa pela sua capacidade como atriz. Inclusive, Eu Sou Mais Eu é seu trabalho no cinema onde se sente mais à vontade, em boa parte por ter em mãos uma personagem moldada às suas características - não por acaso, Kéfera é uma das produtoras do filme. O problema é que, em meio à necessária jornada de aprendizado, o roteiro da dupla Angelica Lopes e L.G. Bayão é altamente questionável ao defender, sem pudor, a necessidade em ser popular na juventude. Mas como discordar de tal discurso se sua estrela maior despontou justamente com tal objetivo, no YouTube?
Tal conflito moral norteia boa parte do longa-metragem, graças à obsessão da jovem Camilla Mendes em reverter o bullying diário e se tornar a garota mais popular da escola, usando para tanto seu conhecimento prévio como estrela pop no futuro. É neste ponto que Kéfera melhor demonstra suas limitações como atriz: se a abertura a traz como uma famosa arrogante, abusando dos exageros que fizeram sua fama, a migração para o passado até lhe entrega bons momentos, em que transmite ingenuidade e incerteza diante do momento de vida. Só que tal transição dura pouco: logo Kéfera adapta o conhecido carão na personagem, acelerando (bastante) o necessário processo de transição. Se por um lado o objetivo é explorar a faceta mais popular de sua protagonista, por outro isto torna a personagem mal desenvolvida, especialmente em relação ao modo como (não) se relaciona com a família.
Para compensar tal desconforto, Eu Sou Mais Eu rodeia sua estrela com um elenco de coadjuvantes competentes. João Côrtes cumpre bem a função do amigo underground que serve de âncora para a amiga agora deslumbrada, em relação à importância da amizade e da autoralidade. Do núcleo familiar, Arthur Kohl se destaca com um toque cativante de ousadia, mesclado ao carinho intrínseco à neta. Mesmo estereotipadas, Giovanna Lancelotti e Flávia Garrafa estão corretas. Soma-se a isso um dedicado trabalho de direção de arte, no sentido de recriar a estética de 2004 tanto nas ambientações quanto no figurino. Ponto para o diretor Pedro Amorim, bastante hábil na criação de um ambiente que é essencial para o bom funcionamento desta história.
Longe de querer inventar a roda, Eu Sou Mais Eu é um filme correto que atende seu objetivo principal de brincar com o passado próximo ao brasileiro médio. Se os rumos da narrativa despertam um necessário estranhamento, é preciso também ressaltar o cuidado existente na produção deste longa-metragem, de forma a impulsionar a memória afetiva - o deslize fica por conta da presença do hit "Cheguei", de Ludmilla, lançado apenas em 2016. Vale também ressaltar o modo como a viagem no tempo acontece: a partir de uma selfie mágica, tirada por uma fã de visual bem parecido com a mutante Jubileu, nos quadrinhos. Em um filme estrelado por uma youtuber que defende a popularidade a todo custo, faz todo sentido usar um elemento tão contemporâneo quanto o celular como meio de transformação de vida.