A forma contra o conteúdo
por Bruno CarmeloA premissa deste documentário desperta interesse e empatia: a diretora Carol Fernandes acompanha uma edição do Girls Rock Camp Brasil, um acampamento de férias onde garotas aprendem noções básicas de música, além de criarem uma banda e participarem de oficinas artísticas. A intenção é expor as garotas à arte, mas também à noção de autonomia e poder feminino, desde pequenas. Num momento de guinada conservadora da sociedade e das instituições, a noção de solidariedade entre mulheres é indispensável.
O problema se encontra no formato escolhido para o projeto cinematográfico. O filme é prejudicado por uma série de deficiências técnicas, seja o som desigual, a fotografia superexposta e uma escolha de enquadramentos que beira o improviso. O documentário busca utilizar a aparência de faça-você-mesmo como parte da atitude punk-rock das meninas, o que seria condizente com a proposta. No entanto, ele encontra dificuldade em trabalhar elementos básicos de linguagem. Duas participantes do acampamento, ambas com falas complexas e interessantes, têm sua participação prejudicada pela má escolha de cenários (um longo corredor de paredes brancas) e a iluminação que não para de mudar ao longo do depoimento.
De modo geral, os esforços não vão além de uma entrevista única com cada diretora/monitora do Rock Camp, com um ou dois enquadramentos no máximo. Por mais simples que seja a captação, as deficiências de ponto de vista são mais graves: Todas as Meninas Reunidas, Vamos Lá! encontra dificuldades em inserir esta proposta educativa dentro de um contexto social, econômico e político. O que significa para a cidade de Sorocaba ter um evento deste porte? A prefeitura já forneceu algum tipo de ajuda? Como o acampamento contrasta com a vida das meninas fora do local? O que os pais pensam deste projeto? A diretora limita-se a entrevistar um único casal de pais – ambos roqueiros, e portanto favoráveis à iniciativa – e jamais se interessa pelas participantes, privilegiando perguntas fatuais (“Qual instrumento você toca?”) ou qualitativas e induzidas pelo entrevistador (“Do que você mais gosta no acampamento?”).
O resultado soa como um longo vídeo institucional de um curso privado. O Girls Rock Camp Brasil poderia trazer discussões suficientes sobre o feminismo na sociedade, a formação de garotas e as novas balizas educativas, mas o escopo se limita aos muros do casarão onde ocorre o acampamento. O discurso é repetitivo (um sem número de monitoras afirma “Ah, se eu tivesse tido esta experiência na minha infância...”) e elogioso, sem a possibilidade de recuo ou eventual debate dialético. Ser menina é incrível, fazer rock é incrível, o acampamento é incrível. A conclusão deste projeto é idêntica ao seu ponto de partida, o que deflagra sua fragilidade como pesquisa e elemento de reflexão.
Ao fim, ficam as músicas, as boas intenções, as iniciativas valiosas. É importante, no entanto, separar o Rock Camp do filme a seu respeito. O primeiro funciona como uma iniciativa feminista importante e complexa. O segundo serve de propaganda para o primeiro.