O amor nos tempos de trevas
por Rodrigo TorresNossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil. Tão importante quanto a Nossa Senhora de Lourdes para a França e a Nossa Senhora de Fátima para Portugal, como a montagem ressalta na fala de um dos entrevistados. Em A Imagem da Tolerância, as cineastas Joana Mariani e Paula Trabulsi investem tudo na representação da Virgem Maria, na sua inequívoca relevância, especialmente sob a luz de seus muitos signos, todos fundamentais em tempos de tanta truculência e sombras. Porém, pouco fazem para tornar seus (até curtos) 75 minutos de duração mais envolventes.
A forma de A Imagem da Tolerância é bastante simples, adotando um estilo documental que alterna registros das ruas (principalmente o entorno da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, tema à parte) com entrevistas com anônimos e famosos — resultando em um visual jornalístico que se explica pela coprodução da Mar Filmes com Globo News e Globo Filmes. Nesse sentido, o filme representa um passo atrás em relação a Marias, documentário de Joana Mariani de temática muito semelhante e que tinha um apuro estético, especialmente em âmbito fotográfico, melhor. Resta, portanto, seu conteúdo. Que carece muito do interesse prévio do espectador.
Após um início que narra o (conhecido) relato da primeira aparição da Virgem Maria, em um rio no vale do Paraíba, século XVIII, A Imagem da Tolerância abandona a questão histórica e se debruça nas experiências pessoais dos entrevistados — o que é muitas vezes frustrante, até cansativo, pela confluência do formato simplório do filme com a particularidade desses contos. O conteúdo ganha consistência quando gente como o Padre Fábio de Melo, o Rabino Nilton Bonder e o Lama Michel Rinpoche versam com sensibilidade e propriedade sobre Nossa Senhora Aparecida, tanto representando a admiração sincretista pela santa, como pelo aprofundamento de seu símbolo feminino para além do senso comum.
Não é à toa que A Imagem da Tolerância chega aos cinemas em pleno Dia Internacional da Mulher. Feito por mulheres, o doc explora uma noção de feminino que até soa anacrônica (a pose de contração de bíceps de Rosie the Riveter representa bem a luta atual por respeito e igualdade, e uma busca de noção de feminino que remonta, cada vez mais, à força), porém nunca ofensiva ou mesmo inadequada: é fato que a empatia, o amor e o acolhimento são qualidades mais presentes na mulher, e virtudes tão bem congregadas na figura de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
Ao homem, na melhor (e sutilíssima) provocação do longa-metragem, vem a lembrança de um pastor evangélico raivoso chutando uma reprodução da Virgem Maria — um ato da mais patente ignorância, de pura intolerância, que em vez de quebrar, só reforça a força de sua imagem. E, em última instância, acentua a pertinência desse documentário apesar de todas as suas limitações.