Uma traço verde que mudaria tudo
por Barbara DemerovQual o bem mais precioso do mundo senão a natureza? O solo que traz frutos, o verde que dá vida a todo seu entorno, a água que sacia. Para muitos, parece algo comum a ser visto, mas nem tanto quando estamos falando de vários países do continente africano. O documentário A Grande Muralha Verde, produzido por Fernando Meirelles, traz como ponto de partida a criação de um muro feito por árvores cuja ideia é passar ao longo de toda África e seus desertos, mas amplifica sua mensagem da importância da natureza em nosso dia a dia com discussões atuais como conflitos políticos envolvendo o Boko Haram, o assustador crescimento populacional e a ideia de que a migração é a melhor saída para os africanos.
Todos estes pontos estão completamente conectados a partir da raiz do problema: a falta de solo fértil que daria às populações destes locais mais precários melhor alimentação, produção e, consequentemente, uma vida mais digna. A partir da personagem Inna Modja, cantora que milita em defesa da valorização do africano para com suas próprias raízes, acompanhamos a jornada de questionamentos e pesquisa sobre como e porque a taxa de migração apenas decola ao invés de diminuir ou, ao menos, estagnar. O filme faz uma análise dos motivos que, ao mesmo tempo que são válidos (pois estão ligados com sobrevivência), enfraquecem uma cultura rica e ambientes que têm a capacidade de florescerem com a união dos humanos.
Inna conversa com pessoas de todas as classes e locais da África: ouvimos cantores famosos que abraçam a mesma causa até adolescentes contando suas trágicas histórias de perdas e sacrifícios. Também ouvimos jovens que escaparam do Boko Haram antes de se tornarem mulheres-bomba ou após matarem muitos inocentes. A resposta da pergunta "Por que as pessoas querem sair da África?" é dura, desoladora para dizer o mínimo. E o documentário salienta bem que, até para plantar uma árvore a fim de salvar o meio ambiente e o planeta, é preciso dar atenção a estes problemas que cercam os desertos também.
Mesmo soando didático ou repetitivo por sempre reafirmar a importância da causa da Grande Muralha Verde, a obra faz um bom trabalho por documentar e expor seus fatos de maneira concisa. O ir e vir da narrativa não deixa pontas soltas ou questões mal resolvidas. A viagem de Inna começa pela natureza e chega aos problemas humanitários de forma clara, com a paciência necessária para explorar o que funciona e o que não funciona em cada país pelo qual ela passa com a equipe. Em dado momento, vemos o parto de uma criança enquanto a protagonista reflete sobre a falta de suporte a uma região que possui a taxa de natalidade mais alta de toda a África. Este é o exemplo perfeito da falta de informação e o tabu relacionado ao controle populacional, fato este que agrava cada vez mais a necessidade das novas gerações procurarem outros lugares para chamar de lar.
Quando um grande tema é tratado com cuidado, um olhar humanístico e excelente trabalho técnico (desde o som até a captura de imagens), o resultado raramente sai desalinhado com o que é a intenção de mostrar. A Grande Muralha Verde não só ganha o status de obra relevante para a discussão acerca da valorização da própria cultura e nossas raízes, como também é um bom filme informativo sobre este continente tão vasto e rico em bens naturais, mas que acaba sendo ofuscado e esquecido aos olhos do resto do mundo.
Filme visto na 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.