Um conto clássico sem tabus
por Barbara DemerovBranca como a Neve ou A Branca de Neve? À exceção da presença de sete anões, um príncipe e uma protagonista mais inocente, o novo filme de Anne Fontaine se baseia na famosa fábula alemã que deu origem à animação da Disney para recriá-la através de uma jovem que bem poderia ser uma princesa, mas que ao invés disso opta por ser livre. A diretora conduz sua história de uma maneira que não prioriza tanto o lado poético e acaba por ser mais desprovida de contornos românticos, alimentando um forte teor sexual que envolve Claire (Lou de Laâge), jovem que é vista como uma ameaça pela madrasta Maud (Isabelle Huppert).
Fontaine moderniza o conto e o transporta à França, para dentro de uma pequena cidade do interior onde Claire, recentemente salva de um sequestro que poderia ter lhe levado a óbito, aprende a viver uma nova vida longe de materialismo e do emprego no spa de Maud, que não a levava a lugar algum. Quando passa a morar na casa de três homens (sendo um deles o salvador do sequestro), Claire se envolve de maneiras diferentes com cada um, mas sempre com a atração – física ou mental – em destaque. Sua vida no passado não é tão abordada (especialmente sua ligação afetiva com o falecido pai), mas é compreensível que a intenção da diretora seja a de mostrar ao público uma versão de sua própria Branca de Neve encontrando a libertação, especialmente se esta é livre de tabus e opressão.
De fato é isso o que vemos em Branca como a Neve. Ao se afastar do passado, Claire se encontra com uma nova versão de si mesma, repleta de desejos carnais e uma intensidade que conquista os corações de exatamente sete homens. Assim como os sete anões da princesa, aqui temos os arquétipos de Dengoso, Atchim, Zangado, Mestre e os demais personagens da animação – mas com a extensão de uma ligação erótica mais magnética com uns do que com outros.
Apesar desta ser uma visão atualizada e interessante de Fontaine em mostrar a independência feminina diante de romances simultâneos, indicando que Claire está sempre no controle em sua posição, o roteiro peca por mostrar que o tratamento da maioria dos sete homens é puramente interessado em sua figura física e nada mais. A aura da personagem sempre é tida como misteriosa e, por isso, sexy o suficiente para que nada mais importe – com exceção de sua relação encantadora com Vincent (Vincent Macaigne), que extrapola a tensão sexual.
Assim, comportamentos de certos homens vêm ao encontro de uma forma extremamente negativa com o que o filme quer passar com o espírito livre de sua protagonista. Em certo momento, Sam (Jonathan Cohen), um dos amantes de Claire, se sente traído quando ouve que a jovem irá tocar música no quarto de Vincent e se porta de forma violenta. É no mínimo curioso olhar para a tranquilidade de Claire em todos os casos em que é abordada de modo impróprio, o que deixa todo aquele universo fantasioso demais – mesmo com a clara ideia de mostrar que a protagonista quer e gosta da atenção que recebe.
Mesmo não os conduzindo de forma coesa, Branca como a Neve ganha suas camadas ao inserir novos tipos de relacionamento da jovem de pele clara com os homens ao seu redor, mas a presença da "Rainha Má" não adiciona muito – por mais que seja Isabelle Huppert a intérprete desta versão mais calma e silenciosa da vilã. Quando se aproxima do conto clássico, Fontaine enfraquece sua obra subversiva. Mas, ao mesmo tempo, o filme não consegue se encaixar em apenas um espaço, pois ora mergulha em seu universo de fábula, ora se perde no ritmo das aventuras de Claire.