A má educação
por Bruno CarmeloEste drama alemão poderia ser interpretado como uma crônica do fracasso, e também uma crônica da persistência humana. Durante quase duas horas de duração, a pequena Benni (Helena Zangel) desafia as regras do sistema educacional. Ela é incontrolável: violenta, chantagista, acostumada a ataques de raivas nos quais fere a si mesma e aos colegas. Benni já foi expulsa de dezenas de casas, centros para crianças abandonadas, escolas. A mãe, que desistiu da garota há tempos, não cogita acolhê-la de volta.
No entanto, um grupo considerável de adultos se mobiliza para cuidar da menina. Todos os tipos de tratamento educacional, psicológico e medicamentoso possíveis são cogitados e postos em prática, sem resultado. Na primeira cena, Benni grita e quebra coisas. Na última cena, ela estará gritando e quebrando coisas. A pergunta que paira durante a integralidade da projeção é: o que fazer? Como cuidar de uma criança que ninguém deseja – ou consegue – cuidar? Na impossibilidade moral de abandoná-la, um grupo de educadores multiplica tentativas frustradas com franca dedicação.
É interessante que a diretora e roteirista Nora Fingscheidt não possua respostas a suas próprias perguntas. A cineasta não pretende solucionar o problema e resolver a vida de Benni através do amor de um novo lar ou uma nova terapia experimental, como fariam tantos dramas edificantes de Hollywood. Assim como os funcionários do governo alemão, o filme não sabe de que maneira lidar definitivamente com a personagem. Por um lado, isso permite uma observação realista, crua, que acompanha a menina sem julgamentos de valor. Por outro lado, a história se estica indefinidamente, e poderia terminar trinta minutos antes ou trinta depois, sem grande prejuízo à narrativa.
A fraca cena final comprova a dificuldade de System Crasher em dar um desfecho apropriado à trama. Fingscheidt sabe muito bem como criar um cenário plausível e desenvolver personagens complexos, porém depois se perde na hora de atar a narrativa. Enquanto a história se repete (ou gira em círculos), o público ao menos presencia um espetáculo do caos bem orquestrado. As dezenas de momentos de grito, violência e fuga são muito bem filmadas. A cineasta busca imprimir um realismo cruel através da câmera na mão – tremida durante as crises, contida no espaço doméstico -, da fotografia natural e da montagem impecável, que cria bom ritmo à estrutura bastante linear do roteiro.
Em paralelo, as atuações são excepcionais: a pequena Helena Zangel está explosiva nos momentos de raiva e euforia, mas também comovente nos contrapontos silenciosos a estas cenas. Albrecht Abraham Schuch fornece uma atuação bruta e repleta de nuances ao educador acostumado a casos de delinquência juvenil. Em outras palavras, o conjunto demonstra uma estética polida e uma qualidade notável de produção. Este é o tipo de “grande filme de arte” que se destaca em festivais e premiações, sendo valorizado inclusive pela importante discussão sobre os limites do sistema educacional.
No entanto, ironicamente, o filme com tantas brigas não deixa de soar inerte, incapaz de encontrar algum escape poético a seu impasse. A inserção de flashes coloridos para representar os traumas de infância de Benni funciona apenas moderadamente, por não se desenvolver ao longo da trama nem se conectar com qualquer outra metáfora ou símbolo. Podemos ter muita empatia pela menina, traumatizada na infância e carente de afeto, ou pelos educadores esgotados, tentando aplicar seus conhecimentos. Podemos vangloriar a tenacidade deste grupo de pessoas, mas a redução do conflito a uma esfera moral (o mérito das boas intenções) acaba por sublimar o cerne da questão: de que adiantam todos esses esforços se o resultado é sempre o fracasso? O que acontecerá a Benni num futuro próximo?
Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.