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    Tamara
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Tamara

    O fetiche do corpo trans

    por Bruno Carmelo

    A trajetória de um indivíduo transexual poderia ser abordada por diversos pontos de vista: a percepção da identidade de gênero, o desejo sexual, a infância, as questões sociais cercando a inclusão social, as particularidades psicológicas. Os últimos anos trouxeram boas ficções com um olhar intimista a personagens transexuais, a exemplo de Girl, A Visita, Uma Mulher FantásticaA Garota Dinamarquesa etc. A biografia venezuelana-peruana-uruguaia Tamara investe numa vertente mais visual, e também mais óbvia da identidade trans: o corpo de uma mulher em transição, com foco na genitalidade.

    É raro encontrar algum filme com tantos close-ups nas virilhas de seus personagens quanto este. A exposição da genitália no cinema de arte pode ser interpretada como coragem ou ousadia por parte dos atores e da direção. No entanto, em se tratando de uma mulher trans, os inúmeros planos de nudez frontal do ator cisgênero Luis Fernández incomodam por limitar sua personagem à presença do pênis. A câmera da diretora Elia Schneider se foca com frequência na altura do umbigo de mulheres e homens cis e héteros, como se o seu único interesse verdadeiro fosse responder à pergunta: Tamara terá a coragem de fazer a cirurgia de redesignação de gênero? Qual seria a aparência de uma vagina criada cirurgicamente?

    Os letreiros finais nos lembram que a personagem se tornou a primeira deputada transexual da América do Sul, além de superar uma série de obstáculos para continuar lecionando direito numa universidade católica. Estes foram os fatos que fizeram de Tamara uma pioneira. No entanto, o roteiro se preocupa mais com a aparência, com os planos de detalhe de injeções de hormônios, além das cenas começando pelos saltos altos descendo as escadas e os momentos de admiração dos seios das travestis nas ruas. Nossa protagonista é uma mulher transexual lésbica, sem interesse por homens cisgêneros, no entanto o projeto prefere deixar este aspecto em segundo plano. O que lhe interessa é a singularidade do corpo em transformação, desde as roupas e maquiagem até a intervenção médica.

    Tecnicamente, Tamara chama a atenção, ainda que não pelos melhores motivos. Com enquadramentos sempre bem fechados e câmera tremendo bastante, o foco pula rapidamente de um rosto para o outro, saltando em seguida para um objeto, de modo a acentuar o significado das lágrimas, das brigas, dos brincos e batons. A cor esverdeada das imagens e a trilha sonora melodramática acentuam conflitos já suficientemente claros, atingindo um teor novelesco. A cena em que Tamara usa maquiagens borradas para confessar sua transexualidade à esposa, por exemplo, beira o grotesco pela característica circense/monstruosa da protagonista. O mesmo vale para o colar com um terço católico filmado em detalhes durante uma cena de sexo. Schneider sabe muito bem o efeito que deseja produzir e os símbolos necessários para atingi-lo, mas o faz de modo explícito demais.

    Por fim, o projeto merece reconhecimento por colocar uma personagem transexual em posição de destaque, num circuito em que homens e mulheres trans ainda são minoria absoluta, inclusive atrás das câmeras. No entanto, é necessário constatar que o cinema ainda não acompanha a velocidade do militantismo e dos direitos da população LGBT, com uma produção rara e pouco substancial. Chega o momento em que indivíduos LGBT não querem apenas ser retratados nas telas, eles exigem ser bem retratados nas telas. Para além das boas vontades e do protagonismo, o próximo passo seria representar a naturalidade de mulheres e homens transexuais como indivíduos que amam, se apaixonam e trabalham como quaisquer outros, ao invés de casos exóticos para serem observados com um distanciamento curioso.

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