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    A Noite
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Noite

    O valor do sexo explícito

    por Bruno Carmelo

    O drama A Noite possui uma dezena de cenas de sexo explícito e nudez. Esse elemento, em si, bastaria para despertar a curiosidade de uma série de espectadores e gerar revolta em outro grupo. Nosso problema diante da representação do sexo começa aí: a imagem de um corpo nu, especialmente no Brasil conservador de 2017, possui um valor intrínseco. O sexo pode ser uma atividade perfeitamente natural e necessária a qualquer indivíduo e qualquer sociedade, mas os tabus em relação à sua imagem numa tela gigantesca distorcem a percepção de algo que, de acordo com a tradição, deveria permanecer no domínio do privado, sem ser discutido.

    No filme espanhol, Martín é um homem sem família, sem amores, sem apego a qualquer instituição. Ele passa as suas noites numa peregrinação repetitiva entre bares gays, motéis de Buenos Aires e banheiros públicos onde possa usar cocaína ou vender a droga que possui a outros usuários. Quando Martín faz sexo, a câmera não se esconde timidamente, deslizando para a janela ou cortando a cena para o dia seguinte. Os personagens não estão escondidos embaixo de um lençol, ou fazendo sexo com as roupas. Quando Martín faz sexo, a câmera se aproxima, em plano de detalhe, e revela o protagonista praticando sexo oral em um, dois, cinco homens. Vemos a ereção, os corpos – o sexo, enfim.

    A Noite seria um projeto pornográfico? Dificilmente. A pornografia possui “vocação masturbatória”, ou seja, visa a provocar a excitação sexual do espectador, algo muito distante das cenas tristes deste filme. Aqui, os corpos transam sem amor, as pessoas não são idealizadas, os corpos têm marcas, cicatrizes, os homens sofrem impotência ou tentam esconder seus pênis pequenos. A nudez de homens e mulheres, transexuais e cisgêneros, é exposta com a sensualidade de um pedaço de carne num açougue. O possível caráter de exploração se atenua ainda mais quando o espectador descobre que o diretor é também o ator principal, colocando-se em cena em repetidos atos sexuais depressivos e decadentes.

    Este seria o típico projeto que muitos críticos e espectadores costumam chamar de “desnecessário”. Diante de uma imagem de sexo explícito, é comum ouvir que “o diretor não precisava mostrar isso”. De fato, não precisava, porque não existem obrigações no cinema. Ele também não precisa mostrar beijos, mostrar família, mostrar amor. A representação do sexo é uma escolha, e o cineasta Edgardo Castro faz do sexo o seu tema, ou talvez seja melhor dizer a naturalidade do sexo. Se mostramos uma vida comum nos cinemas, por que o ato sexual não faria parte dela?

    A provocação adquire tons de comentário político, de manifesto pela desconstrução de um tabu. Melhor ainda, o filme consegue inserir estas imagens numa leitura sintomática do século XXI, uma espiral do vazio na qual o personagem extrai cada vez menos afeto de seus múltiplos encontros. Talvez a repetição canse o espectador: o tédio do sexo, sentido por Martín, é oferecido também ao público. A conclusão, quando a câmera abandona o corpo do protagonista após passar 135 minutos colada a seu rosto e seus passos, desperta profunda sensação de melancolia.

    Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em novembro de 2017.

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