Terapia de casal
por Bruno CarmeloUm Amor Inesperado é muito diferente do que se pode esperar dele. Pelos rostos sorridentes no cartaz, pelas cores saturadas, pelo azul e rosa contrastados, pode-se esperar uma comédia romântica tradicional. O título sugere a chegada de um paixão avassaladora para abalar a vida dos protagonistas – algo que nunca ocorre de fato. O filme possui ambições mais profundas do que os simples quiproquós do romantismo. O diretor Juan Vera pretende discutir o fim da paixão em casais duradouros, o medo da morte, o sentimento de abandono com a independência dos filhos, a possibilidade de ser feliz sozinho, a prática do sexo sem amor – e sem julgamentos morais etc.
A parte dramática do projeto é excepcional. Os diálogos, em particular, são carregados de sarcasmo, numa troca verbal feroz entre Marcos e Ana, digna das peças de teatro de Edward Albee e Tennessee Williams. O texto sabe brincar com os problemas do dia a dia (a implicância com os móveis gastos, a calcinha pendurada no banheiro), tratando de sexualidade com uma franqueza atípica no gênero. Impressiona a cena noturna em que o casal lida com a ausência do filho enquanto se questiona sobre o afeto restante um pelo outro: poucos diretores teriam a coragem de mergulhar os atores no escuro, sem destaque às expressões faciais, especialmente em se tratando de nomes de peso como Mercedes Morán e Ricardo Darín.
Os atores, aliás, estão muito bem em seus papéis. Morán e Darín chegaram a uma fase na carreira em que poderiam privilegiar projetos vaidosos, no entanto se entregam com um despojamento invejável. Eles expõem os corpos envelhecidos, as rugas, em versões naturalistas – nem idealizadas, nem enfeadas pela maquiagem e figurino. Os dois se tornam a figura arquetípica do casal de classe média-alta. Morán carrega uma tristeza comovente no olhar quando cita o filho no meio de um diálogo, enquanto Darín transforma a linguagem corporal na hora de responder, pela enésima vez, que “está tudo bem” aos colegas insistentes, embora esteja evidente que sua vida conjugal e afetiva está em colapso. Este é um filme de pessoas que tentam manter as aparências, os sorrisos educados em festas, enquanto escondem uma melancolia cada vez mais explícita.
Por outro lado, a parte cômica do projeto se revela muito menos convincente. O terço central da história explora as novas aventuras românticas de Marcos e Ana, num esquematismo fraco: assim que ela encontra um rapaz mais novo; ele encontra uma moça mais nova; assim que o caso dele termina, o dela termina. As câmeras lentas dela caminhando feliz pela rua, após o sexo, ou a conversa dele com uma namorada na cama apenas sublinham o quanto o filme perde em potência quando separa o seu casal principal. Ao mesmo tempo, o diretor passa a apostar em imagens pouco elaboradas (planos e contraplanos, iluminação próxima da publicidade com uma textura digital de baixa qualidade), muito aquém da qualidade do elenco e dos diálogos.
“Não há nada mais pornográfico do que a felicidade”, decretam os protagonistas cultos e autocríticos deste filme. A vontade de se separar, de buscar uma aventura, uma forma de instabilidade como forma de se sentir vivo, é isenta de moralismo. A maior ousadia do projeto é permitir que Marcos e Ana explorem seus próprios desejos, que sejam independentes e sexualizados na casa dos 50 anos de idade. A crítica social não vai muito além desta configuração generosa, e se atenua pelo aspecto acadêmico da imagem, mas ainda assim permite momentos memoráveis como a promessa de uma dança a dois, na casa vazia pós-divórcio, entre duas pessoas que se conheciam tão bem, e que agora parecem não se conhecer mais.