"Meu nome é Abraham Solomon-Odeh. Alguns me chamam de Abraham; outros de Avraim, Ibrahim, ou Avi... Mas eu prefiro Abe. Eu realmente prefiro apenas Abe. Só Abe". Esta frase, cujas variações abrem e fecham o filme "Abe", dirigido e co-escrito por Fernando Grostein Andrade, representa muito bem a verdadeira confusão cultural que é a vida de Abe (Noah Schnapp, da série "Stranger Things"). Filho de pai de origem muçulmana e de mãe de descendência judia, a personagem principal do longa vive no meio de uma grande batalha, em que os seus parentes (principalmente os avós) querem decidir por ele o que ele será, o que acontecerá com a sua vida e, principalmente, qual a religião que ele deve seguir.
Por trás de tanta confusão, existe um pré-adolescente de 12 anos consciente do que acontece ao seu redor e que tenta agradar aos dois lados da família. A questão é que Abe também está naquela fase da vida em que a gente está buscando descobrir quem somos. E, se tem uma coisa da qual ele tem certeza, é que, de alguma maneira, a cozinha estará envolvida na sua vida. Abe ama cozinhar e, durante as suas férias de Verão (linha do tempo na qual "Abe" se passa), a sua trajetória acaba se cruzando com a de Chico (Seu Jorge), um cozinheiro em ascensão em Nova York devido à fusão que faz entre a comida brasileira e a de outros países, e sua equipe.
O ponto mais positivo de "Abe", nesse sentido, é a forma como o roteiro escrito por Lameece Issaq e Jacob Kader utiliza a culinária para ilustrar os conflitos vividos por Abe e sua família. Se estamos diante de uma família desunida em seus propósitos, Abe enxerga na comida a possibilidade de unir seus parentes. Se ele não consegue se decidir - ainda - entre ser muçulmano, judeu, ateu, ou o que quer que ele seja, por quê não fazer uma fusão de todos os valores (religiosos, culinários e culturais) nos quais a sua família está construída? Este será o desejo de Abe: mostrar, por meio da cozinha e do dom que ele possui, que não existe nada errado em ser a mistura que ele é.
"Abe" estreou no Festival de Cinema de Sundance 2019 e é um filme de cores fortes e vibrantes. O diretor Fernando Grostein Andrade soube trabalhar muito bem com a direção de fotografia de Blasco Giurato e com uma trama enxuta e que passa a sua mensagem a contento. As comidas com as quais nos deparamos em diversas cenas nos deixam com água na boca. Para nós, brasileiros, o filme ainda tem um atrativo a mais por causa de todos os nomes envolvidos - na frente e por trás das câmeras. A trilha sonora de Gui Amabis é um ponto alto à parte.