Monstruosa puberdade
por Bruno CarmeloEste drama começa de modo agressivo: com os hormônios em ebulição, Mia (Luna Wedler) trata a mãe como inimiga, os colegas da nova escola como adversários, e rejeita a todos, ao mesmo tempo em que se sente carente de contato humano. A pré-adolescente opera entre contradições: ela quer se expressar, mas não consegue; quer ser vista como adulta, mas tem medo de perder os privilégios de criança; quer se distinguir entre outras meninas de sua idade, porém tem medo de não se misturar às outras.
A diretora Lisa Brühlmann busca trazer à estética do filme esta violência: a montagem trabalha com cortes bruscos, a fotografia opta por tons contrastados e saturados, a câmera busca os rostos, mas desliza facilmente de uma pessoa para a outra, como se estivesse indecisa. Desde o início, Blue My Mind retrata a adolescência como um período muito difícil psicologicamente, no qual se forja a identidade do adulto a porvir. Quando Mia passa a praticar pequenos furtos ou sair com garotos de quem não gosta, apenas para impressionar as amigas, a cineasta deixa claro de que maneira estes artifícios comprometem os princípios da garota.
No entanto, o filme não se atém aos efeitos íntimos da passagem à fase adulta. Ele busca uma metáfora externa para um fenômeno interno: à medida que a protagonista se transforma por dentro, o seu corpo se transforma também. Sem estragar a surpresa, basta dizer que a garota passa a adquirir feições monstruosas, animalescas, que tenta esconder a qualquer preço. A opção pelo realismo fantástico seria interessante caso a cineasta utilizasse esses símbolos como uma metáfora lúdica, um parêntese na realidade. Ora, a transformação de Mia é vista como um caso médico, uma síndrome puramente orgânica, algo que estabelece um contato muito mais próximo com a realidade.
Neste sentido, os fracos efeitos especiais e maquiagem conferem ao resultado uma aparência um pouco amadora, incoerente com a elegante fotografia e as composições de planos muito bem cuidados. Enquanto isso, a direção de arte se contenta em acumular elementos azuis em todas as cenas: as paredes do quarto são azuis, a estação de metrô é azul, as roupas, os shopping centers, os azulejos dos banheiros, tudo é excessivamente azul. Existe uma visível dificuldade em trabalhar a distância entre o real e o imaginário, entre o orgânico e o simbólico. Brühlmann não deseja passar de um ao outro, marcando ambos por diferenças estéticas. Ela quer que os dois registros convivam, acentuando-se rumo ao final.
Talvez por isso Blue My Mind caminhe por rumos cada vez mais extremos, e menos interessantes. Aos poucos, Mia para de ser tratada como uma adolescente qualquer para virar um corpo aberrante: o filme passa a tratá-la como monstro. Apesar da confiante atuação de Luna Wedler e da saudável ambição narrativa da premissa, o projeto acaba por abandonar o humanismo tão importante ao início da trama.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.