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    Camocim
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Camocim

    O ser político

    por Taiani Mendes

    Camocim de São Félix é um município pernambucano marcado por ferrenhas disputas em época de eleições. A cidade se divide em duas cores, o clima é de rivalidade nível Fla x Flu (ou Sport x Santa Cruz) e mortes faziam parte do enredo em tempos não muito distantes. Nesse local, de certa forma um microcosmo do polarizado Brasil pós 2015, o diretor Quentin Delaroche encontra uma jovem chama de idealismo que atende pelo nome Mayara Gomes.

    Articulada, séria e responsável, ela coordena a desvalida campanha de um amigo pessoal à vaga na Câmara Municipal, esforço infrutífero que serve principalmente para ressaltar como essa mulher está só com suas ideias e gana de poder, sendo um corpo estranho no cenário. De fato é um achado essa moça estrategista, lésbica, leal, boa de discurso e confortável com a câmera, porém a campanha de seu querido César é parada por demais, capaz de render apenas dois ou três bons momentos e no geral totalmente irrisória ante o circo que envolve a disputa ao cargo de prefeito.

    Quentin parece um menino teimoso ou mesmo uma versão cineasta de Mayara, apegado a um objetivo que desde o início mostra-se fracassado e fosco. Carregado em tom de brincadeira e sem muito compromisso, o esforço político de César sequer rende um embate Davi vs. Golias, deixando na superficialidade os desafios do embate entre uma campanha amadora feita “no amor” e a tradicional máquina da compra de votos – que funciona a pleno vapor.

    Com atenção difusa, o cineasta circula entre a intimidade de sua heroína, uma tentativa de panorama da juventude local e a interminável farra em azul e vermelho bancada pelos candidatos. Apesar de tópicos interessantes, especialmente o grupo que sempre anula o voto e seu contato com a energia mobilizadora de Mayara, tal abertura do tema eleitoral acaba caindo em pontos que resultam um pouco desconexos, como a religião.

    A força de Camocim está na verdadeira guerra travada pelas ruelas entre os militantes do 14 e do 55, partidos que jamais são nomeados. A "festa da democracia" nunca foi tão animada – com paredão das novinhas, clima de micareta, cordão de isolamento, brigas generalizadas iniciadas num piscar de olhos – e o clientelismo tão evidente no cinema contemporâneo. Basicamente duas famílias se alternam no poder, caracterizadas por suas cores, não correntes, propostas ou mesmo legendas, e os empolgados cabos eleitorais são em grande parte funcionários da prefeitura tentando manter seus empregos. É tudo tão escancarado e bem registrado que parece ficção e, seguindo nessa linha, o diretor chega a exagerar apelando para o hino “Tempo Perdido”, do Legião Urbana.

    Um dos significados de Camocim é urna funerária e Delaroche é arguto enaltecendo, num contexto extremamente corrupto e desalentador, uma mulher esperançosa, engajada de corpo e alma na política. Velhas contradições do Brasil sempre evidenciadas no olhar estrangeiro, aqui mais apegado ao humanismo.

    Filme visto no 7º Olhar de Cinema, em junho de 2018.

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