Pelo apelo do mais simples, do Davi contra Golias, esta obra inicia com constatação de que é impossível descrever exatamente que foi uma pessoa, limitando-se a reconhecer que ela é o que está na mente e coração das pessoas que a conheceram e que suas ideias viverão naqueles que nunca o viram, concordem ou não com elas.
O manifesto de um homem contra a injustiça. A obra chama a atenção ao que pode ter sido o despertar de Gandhi para sua causa quando foi expulso do trem em que viajava por não ter pele branca. Incrível com suas ideias foram testadas e aprovadas mesmo estando tão longe do seu país. A África do Sul, debaixo do mesmo Rei, chancelou o líder que acabara de nascer.
Se era a injustiça que o incomodara, Gandhi foi conhecer de perto, por quase toda a Índia, o sofrimento do seu povo, que era trágico. Interessante notar que ele nunca demonstra cólera contra o que vê, mas o ator consegue deixar entender que por dentro seu sangue ferve mas sua mente parece ferver ainda mais com as ideias e estratégias para avançar na sua luta de uma independência pacífica do domínio inglês.
Embora seja uma obra para o mundo, é digno de nota que quase não há referência sobre a língua nativa e milenar dos indianos. Isto talvez se deva a querer demonstrar a profundidade da influência dos ingleses na sociedade indiana, o que fica cristalino quando Gandhi durante um discurso incentiva a que todos se livrem das roupas fabricadas com tecidos vindos da Inglaterra e conclamando a todos que a partir daquele momento usem tecidos fabricados nacionalmente. Aqui abro um espaço para comentar que esta ideia de boicote a produtos estrangeiros é sempre recorrente na história humana e tem tomado corpo neste tempo de pandemia.
Os ingleses parecem não se importar com o que está em curso. Admirável a sensibilidade dos atores que representam os governantes ingleses na Índia, principalmente, do maior deles que consegue transmitir com maestria uma arrogância ímpar ao tratar de qualquer caso referente a Gandhi, inclusive com a distância quando o recebe na sede do governo.
Não foram tempos fáceis, chacinas, rebeliões, boicotes, greves são o que chegam ao nosso conhecimento através dessa obra. E, talvez, como último recurso Gandhi faz uma caminhada de trezentos e oitenta quilômetros em direção ao mar e lá chegar, no mesmo dia em que a Índia lembrava da chacina comandada pelas forças britânicas na qual mais de mil indianos foram assassinados, para novamente conclamar a população a vender por conta própria, em feiras livres e mercados, o sal que coletasse mar, afirmando que o sal era dos indianos. Mas um ato de rebelião, sem violência, contra o regime, já que o comercio do sal era um dos grandes negócios monopolizados pelos invasores.
Gandhi, após ser mais uma vez preso e libertado, consegui talvez o maior feito da sua vida – negociar e conseguir a libertação do seu povo. Contudo, a astúcia com que foi capaz de usar seus atos para derrotar o maior império da época sem uma arma não foi capaz de enxergar, ou não quis ver, ou era de menor valor, não foi de mesmo grau para considerar que entre seus aliados existia um que não compartilhava com seus ideias de fraternidade, de uma Índia para hindus, muçulmanos, cristãos e mulheres vivendo na mesma terra. Tão logo se avizinhava a independência o povo foi incitado a separação por seus líderes, em especial um líder muçulmano que sempre participou do grupo que pensava a libertação da Índia. Contudo, este desejo parece não ter sido só de um lado. Por fim, para não perder sua obra de vida, Gandhi aceita a divisão.
Após mais uma greve de fome, Gandhi consegue pacificar seu país. Mesmo em vida, e ainda mais após seu assassinato pelo próprios seus, o mundo passa a reconhece-lo como o homem que conseguiu derrotar um império sem disparar um único tiro, mais que isso, que seus ideias, nada novas, são o que cada ser humano, enquanto indivíduo do mundo e sociedade organizada, realmente precisam para viver bem.