Artistas da trapaça
por Bruno CarmeloPense naquele dia em que você se deparou com uma exposição de arte contemporânea onde não conhecia ninguém, não entendia o propósito da obra, não via valor algum naqueles quadros ou esculturas e ficou horrorizado com o valor extravagante de cada peça. O abismo que separa o mundo elitista da arte e o público médio constitui o alvo de Minha Obra-Prima, comédia sobre pintores fracassados, mecenas ignorantes, agentes sem escrúpulos, consumidores ricos e fúteis. Ninguém escapa ao humor corrosivo que satiriza tanto a direita vaidosa quanto à esquerda utópica.
No centro da trama se encontram dois produtores cínicos de arte: por um lado, o pintor Renzo Nervi (Luis Brandoni), que afirma fazer “algo inútil que não interessa a ninguém”, e por outro lado, o negociante Arturo Silva (Guillermo Francella), capaz de rasgar elogios a obras de que não gosta, mas que podem lhe render lucros. Um deles se encontra fora do circuito, por ter suas pinturas rejeitadas pela maior parte das galerias, enquanto o outro representa a adesão perfeita ao mainstream. Eles têm em comum o fato de serem personagens interpretando personagens: o artista nutre sua persona exótica e arrogante, como convém ao imaginário do pintor genial, enquanto o agente de vendas ostenta os trejeitos do homem de negócios, necessários para movimentar os milhões de dólares necessários.
O sucesso de Minha Obra-Prima se deve principalmente ao prazer evidente com que os dois atores principais interpretam seus personagens. Brandoni e Francella estão excelentes, provocando um ao outro com uma infinidade de recursos corporais e uma destreza impressionante nos diálogos. Em tese, trata-se de dois personagens execráveis, mas tornados divertidos pelo modo como criticam a si próprios, de modo autocondescendente, porém com um olhar distanciado. Exigindo do espectador certa boa vontade para acreditar em algumas reviravoltas, o projeto se constrói como uma farsa para a qual interessa mais brincar com diversas alegorias artísticas do que construir personagens psicologicamente complexos.
A relação com o espectador se assemelha a um jogo: o diretor Gastón Duprat lança pistas falsas, aponta a caminhos que não pretende tomar, apenas para engajar o espectador em suspeitas e adivinhações. O roteiro constrói uma série de surpresas que ressignificam o que vimos até então e questionam a nossa capacidade de nos identificar com os protagonistas calculistas. Talvez algumas passagens sejam menos verossímeis que outras, embora o conjunto funcione dentro da proposta paródica de Duprat. Ao mesmo tempo, o filme surpreende por criar paralelos interessantes com o mundo da arte, a exemplo da cidade de Buenos Aires, interpretada por Arturo como se fosse uma obra de arte, e das pessoas nas ruas analisadas pelo negociante com a mesma frieza que analisa os quadros. O filme brinca, afinal, com o valor das imagens e a manipulação inerente a qualquer forma de representação.
Esteticamente, Minha Obra-Prima revela uma confecção discreta, porém eficaz. O diretor transparece um cuidado evidente na hora de enquadrar obras de arte, ao passo que oferece uma movimentação de câmera mais livre nas cenas de briga. Exceto por estes momentos, rende-se à dinâmica dos atores principais e dos diálogos, em planos de conjunto simples. O discurso pode não produzir nenhum questionamento profundo sobre a produção de valores dentro do circuito artístico, mas serve para sublinhar as máscaras sociais até o limite do ridículo. Ao enxergar artistas como figuras cínicas, Duprat retira da criação sua aura romântica, aproximando-a do trabalho mesquinho e massificado de qualquer empresa com fins lucrativos. Somos convidados a nos identificar com pintores e mecenas não pelo que têm de melhor, mas pelo que carregam de pior.