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    Árvores Vermelhas
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    João Carlos Correia
    João Carlos Correia

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    4,0
    Enviada em 28 de março de 2018
    Além de destruição e morte, a Segunda Guerra Mundial gerou muitas mudanças no panorama global, e no da Europa em particular. Foram mudanças políticas (com a ascensão das superpotências EUA e URSS, que, literalmente, dividiram o mundo entre si, até quase o final do século XX), geográficas (países desapareceram e outros surgiram), culturais e também pessoais, como mostra o documentário Árvores Vermelhas.

    Alfred Willer é o filho de um renomado químico judeu em Praga, capital da então Tchecoslováquia (atual República Tcheca), quando os nazistas assumem o poder e nomeiam o cruel e sanguinário Reinhard Heydrich (1904-1942) – um dos arquitetos do Holocausto Judeu e que tinha a sinistra alcunha de “O Carniceiro de Praga” - como o interventor local. A partir daí começam as perseguições aos opositores do regime e, principalmente, aos judeus. A família Willer foi uma das doze famílias judias de Praga que sobreviveram ao massacre perpetrado pelo acólitos de Hitler.

    Após a Primeira Guerra Mundial e o triunfo da Revolução Russa, houve uma efervescência cultural na Europa, com o surgimento de novos centros intelectuais rivalizando com Londres e Paris. Dentre estes novos centros destacavam-se Moscou, Viena e Berlim da República de Weimar (período democrático que antecedeu o domínio nazista). Muitos intelectuais, cientistas e artistas do período eram de ascendência judaica tais como o cineasta russo Serguei Eisenstein (de O Encouraçado Potemkin), o médico austríaco Sigmund Freud (pai da psicanálise) e o físico alemão Albert Einstein (criador da Teoria da Relatividade).

    Praga também era um dessas novas metrópoles intelectuais e lar do escritor Franz Kafka (1883-1924), também de ascendência judaica, autor de A Metamorfose – entre outras grandes obras. Kafka era fanático por cinema e um de seus romances, O Processo, foi adaptado para o cinema, em 1962, pelo cineasta estadunidense Orson Welles (Cidadão Kane) e com o também estadunidense Anthony Perkins (Psicose), no papel de Joseph K. Suprimir a cultura Tcheca era uma das principais tarefas de Heydrich.

    Também é importante destacar a forte influência linguística da Alemanha nos países que lhes eram fronteiriços como a própria Tchecoslováquia e a Polônia. Além de suas línguas naturais, não raro os habitantes locais falavam igualmente o alemão e a comunidade judaica o ídiche, dialeto dos judeus da Europa que era uma mistura das línguas alemã e hebraica e que, atualmente, é falada principalmente pelos judeus ultra-ortodoxos dos EUA.

    Essa introdução histórica e cultural pode ter sido um pouco longa, mas necessária para uma melhor compreensão de Árvores Vermelhas, pois são pontos destacados muito propriamente no filme. O pai de Alfred Willer, em sua profissão de químico, fazia parte dessa intelectualidade e, por isso, era tolerado pelos nazistas mesmo sendo judeu, pois necessitavam de seus conhecimentos. O jovem Alfred também tornou-se químico, mas depois seria tomado de paixão pela arquitetura, profissão que viria a seguir na idade adulta.

    A diretora Marina Willer não é uma novata no ramo cinematográfico, pois já havia dirigido, em conjunto com Fernando Kinas, o documentário em curta-metragem Cartas da Mãe (2000), baseado no livro do saudoso cartunista, escritor e humorista Henfil (1944-1988), e que conquistou o Prêmio do Público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Árvores Vermelhas e o seu primeiro longa-metragem e a realização de um antigo projeto: o de contar a vida de seu pai.

    Marina, que também é a autora do roteiro junto com Brian Eley (Horrid Henry: The Movie) e a estreante Leena Teeley , faz parte da nova geração de mulheres cineastas ao lado de nomes como a estadunidense Patti Jenkis, de Mulher-Maravilha.

    Embora seja apenas o seu segundo filme na direção, Marina tem a segurança de uma veterana, mostrando imagens poéticas e belíssimas, no que é ajudada pela fotografia de César Charlone (indicado ao Oscar por Cidade de Deus), Fábio Burtin (Ensaio Sobre a Cegueira) e Jonathan Clabburn (Miss Landmine) e utilizando–se de sua experiência de designer profissional.

    Marina consegue mesclar essas lindas imagens de sonho com as de um típico documentário de maneira harmoniosa. Essa mescla fez com que vários críticos do exterior definissem Árvores Vermelhas como um ensaio. Definição essa, a meu ver, correta, pois, por ser um projeto pessoal, é um documentário bastante experimental.

    A experimentação de Marina em Árvores Vermelhas faz com que o filme tenha um ritmo mais lento que outros do gênero, o que pode fazer o espectador comum sentir–se um pouco entediado, mas a história de Alfred Willer prende a atenção, o que compensa o ritmo arrastado.

    Alfred surpreende ao demonstrar perfeito domínio da língua portuguesa e falar praticamente sem sotaque. Ao retornar à sua terra natal, passando inclusive por fábricas abandonadas desde a guerra, graças a uma memória privilegiada, ele assume a posição de um contador de histórias dos tempos passados, que inclui a retaliação nazista pelo atentado que matou Heydrich e o episódio de sua vida que dá nome ao filme e o fez descobrir que sofria de daltonismo.

    Segundo o Dr. Drauzio Varela, "O daltonismo é um distúrbio na visão que interfere na percepção das cores. Sua principal característica é a dificuldade para distinguir o vermelho e o verde e, com menos frequência, o azul e o amarelo". As cores podiam estar trocadas, mas o horror da guerra, não. Aliás, esse horror nunca muda, independente das cores. Esse impacto de cores também pôde ser sentido quando Alfred e seu pai imigraram para o Brasil, com a sua exuberante natureza tropical misturada com selvas de pedra.

    A trilha sonora supervisionada por Eliza Thompson (Entrevista Com o Vampiro) e Kie Savidge (Tomb Raider: A Origem) é bastante eclética indo desde a música clássica até canções de Leonard Cohen (1934-2016), que aumenta o clima de experimentalismo e poesia, reforçada pela narração de Tim Pigott-Smith (Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha), que faleceu logo após o término das filmagens e para quem o filme foi dedicado.

    Árvores Vermelhas é um trabalho de amor, tanto de uma filha para com seu pai, como para a humanidade e o próprio cinema. Em uma época na qual se repetem eventos que geram manifestações de ódio, racismo, xenofobia e intolerância política e religiosa que, anteriormente, levaram a dois conflitos globais, este ensaio-documentário experimental e poético é urgente, necessário e bem-vindo.
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