A ironia da falta de visão
por Sarah LyraA diretora japonesa Naomi Kawase parece sofrer, em Vision, uma forte influência do trabalho de Terrence Malick, especificamente da estética e ritmo empregados em A Árvore da Vida. Ao contrário do diretor norte-americano, no entanto, ela tem dificuldade em entregar um conjunto que demonstre propósito e coerência. Há um desejo claro de ser transgressor e existencialista que nunca se concretiza, em partes por conta do roteiro também assinado por Kawase, cujo texto carece de maturidade para desenvolver os subtextos da trama. Com isso, a direção acaba transformando a produção em um longa de características new age de pouca substância.
Uma estranheza se faz presente de forma constante na trama conduzida pela protagonista Jeanne (Juliette Binoche), o que fica evidente pelo tom misterioso dos diálogos e na convivência dos personagens na floresta. A sensação é de que algo mítico está na iminência de ocorrer, e todos estão cientes disso. O único, além do espectador, que parece não entender a forma de comunicação pautada em olhares profundos, lágrimas contidas e frases enigmáticas de efeito é o dono da cabana, Tomo (Masatoshi Nagase). Em um primeiro momento, o propósito de Tomo na trama parece ser justamente o de um guia, e o roteiro sinaliza a intenção de torná-lo a ponte entre o espectador e os acontecimentos, mas nenhum aprofundamento é feito nesse sentido.
Há uma certa indulgência em Vision. A cada cena, o filme pede um pouco mais de paciência ao espectador, porque este será recompensado ao fim. Acompanhamos um história que, além de pouco coesa, lança perguntas de forma quase arbitrária, sem a menor intenção de respondê-las ou de causar uma reflexão. Binoche se desdobra para criar uma figura ambígua e rica em sentimentos, mas nunca entendemos de fato a serenidade misturada com uma suposta dor profunda expressadas em suas feições — nem mesmo na cena final, que se propõe a elucidar minimamente os segredos envolvendo a erva chamada visão, e o passado de Jeanne. Em meio a um desfecho sem nenhum tipo de ápice, é surpreendente notar que encerramos a projeção tão perdidos quanto no início.
No que diz respeito à fotografia, as tomadas de contra-mergulho são excessivas e repetitivas, assim como os closes em folhas e galhos de árvore ao vento, que parecem sempre dizer: “olhe atentamente, e verás”, mas sem realmente nos permitir ver qualquer alteração nas imagens que, por fim, servem unicamente para dar um senso de estética à floresta Nara, marcada por seus verde-azulados e brancos estourados do inverno, assim como cenas lavadas em contra-luz no verão. Outra decisão pouco explorada é a de inserir uma segunda linha do tempo, ambientada no futuro, que, após duas aparições, nunca mais é retomada ou apresenta qualquer função na narrativa. Para um filme que se dispõe a adotar um ritmo assumidamente lento, Vision acaba soando apressado por não aprofundar a caracterização de seus personagens, elaborar sua ambientação e desenvolver sua narrativa.