Yankee go home
por Taiani MendesNa década de 1960, idealistas jovens estadunidenses contrários à Guerra do Vietnã foram atraídos por bizarros comerciais de TV à um programa governamental que parecia perfeito para a suavização de suas inquietações. Como Voluntários da Paz eles se estabeleciam em países pobres para viver como os locais, ensinar inglês e, sem orçamento, ajudar a população carente da melhor maneira possível, especialmente em termos médicos. Em Nome da América, instrutivo documentário de Fernando Weller, investiga a profusão de “enviados de Kennedy” em Pernambuco e, conduzindo o espectador pela mão, vai desvelando a ligação dos bem-intencionados pacifistas inúteis com articulações da CIA a respeito da Guerra Fria. Não existe ponto sem nó do governo norte-americano, é (ou deveria ser) de conhecimento geral.
Abrindo com uma bandeira do Brasil na porta de uma casa tipicamente estadunidense e fechando com uma réplica da Estátua da Liberdade em pleno solo árido nacional, o documentário de Weller vale-se de um incrível trabalho de pesquisa e excelentes imagens de arquivo num gradual aprofundamento das razões da penetração do Tio Sam no nordeste brasileiro, explicitando conexões entre agentes secretos, Igreja Católica e militares golpistas numa frente contra a ameaça comunista. Indo do micro para o macro, sem perder a atenção especial a seus personagens, o cineasta recheia com humanidade um complexo estudo político.
Desconfiança é um sentimento que os gringos despertavam em seus novos vizinhos e do qual Weller se vale, a partir das perguntas e da montagem, para escapar do maniqueísmo. Descontando o idealismo, sinônimo de juventude, não há leitura simples dos membros do Corpo da Paz, que ora passam ingenuidade, ora cinismo, ora egoísmo, ora saudosismo, ora dissimulação. “Ao mais fraco cabe ficar calado”, diz uma senhora representante do povo em praticamente nada auxiliado pelos emissários dos Estados Unidos, uma ideia que servia tanto ao Brasil da época quanto aos voluntários, proibidos de tratar de política e ainda hoje nem todos dispostos a verbalizar a contradição vivida há cerca de 50 anos.
Apesar de esforçado em termos de clareza, para isso insistindo até em organograma de papel que destoa, pelo caráter paupérrimo e improvisado, das demais sequências, Em Nome da América não é o tipo de filme que exige pouco do espectador. O entendimento por completo de todos os meandros não é possível com apenas uma sessão e tampouco sem o aprofundamento em outros meios, afinal são muitas siglas, nomes importantes apenas citados e ambiguidades.
Fernando explora o mistério em torno do suposto espião Tom Hogen construindo uma expectativa sobre sua aparição que encontra seu ápice no brilhante uso de uma gravação televisiva que parece até falsa de tão perfeita no contexto. Chamam a atenção também a alta qualidade dos registros audiovisuais antigos, as perspicazes transições das cenas por temas e detalhes e o cuidado do diretor de não se ater apenas ao passado, promovendo encontros contemporâneos e ressaltando o legado nulo para os habitantes das cidades brasileiras, que permanecem marcadas pela carência.
Tudo errado na discrepância entre os objetivos dos voluntários e sua real função; tudo certo no plano da CIA de afastar o Brasil de Cuba e da URSS; tudo exposto nesta dinâmica apresentação bilíngue de um acontecimento relevante em termos de história e política, catalisadora de reflexões acerca do ser humano, como o ato de enganar e se deixar ser enganado.