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    Quem Você Pensa que Sou
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Quem Você Pensa que Sou

    Amores ideais

    por Bruno Carmelo

    “Você conhece a sensação, quando aquela pequena luz verde se acende na tela?”. Pode parecer estranho, mas Claire (Juliette Binoche) está falando de amor. Divorciada, essa professora acostumada a relacionamentos com garotos mais novos nutre uma paixão platônica por Alex, colega de um antigo namorado, que ela conhece apenas pelo Facebook. À noite, eles trocam mensagens durante horas. Como ele se resume a uma imagem nas redes sociais, ela decide fazer o mesmo, e cria um avatar falso: Clara, 24 anos de idade, progressista e tímida.

    Who You Think I Am analisa os relacionamentos virtuais por um ângulo sensivelmente diferente da maioria. Ao invés de tratar de adolescentes ou pessoas com dificuldades de encontrar parceiros, aposta nas consequências das interações virtuais numa mulher de 50 anos de idade, atraente, bem-sucedida no trabalho. A questão para ela, através do flerte com um jovem, é simbólica: ela deseja se passar novamente por uma garota, conquistar o menino muito mais novo, sem precisar expor o seu corpo real. Neste caso, a realidade seria mero decalque da ilusão, e contaminaria um amor aparentemente perfeito. Não seriam todas as pessoas meras personagens de si mesmas quando usam a Internet?

    O filme se abre no formato de um drama relativamente tradicional, com possível abertura ao romance. O diretor Safy Nebbou foge às amarras do filme-denúncia ou da cautionary tale para investir na psicologia dessa mulher ao mesmo tempo tão forte em sua vida pública e tão frágil na entrega ao amor secreto. Talvez por contar com Juliette Binoche no papel principal, o diretor cola a câmera ao rosto da atriz durante 80% das imagens, captando a expressividade surpreendente da francesa, muito confortável neste registro pouco glamouroso do envelhecimento.

    Em conversas com a terapeuta (Nicole Garcia, cujo estilo contido contrasta bem com Binoche), a narrativa se move através de close-ups tradicionais, claustrofóbicos, em cenas sem ruídos nem intervenções do mundo externo. Enquanto representa o mundo bolha do amor virtual, o filme minimiza aspectos importantes da vida externa assim que Claire se apaixona. Os filhos, o ex-marido e o trabalho são relegados ao segundo plano, já que acompanhamos a história pelo ponto de vista da mulher apaixonada e obsessiva. Alguns instantes cômicos quebram o ar soturno do conjunto, tomando a precaução de não julgar ou ridicularizar a personagem. Tanto Claire quanto Alex são respeitados na honestidade de seu afeto mútuo.

    Com o decorrer da narrativa, no entanto, o filme começa a revelar algumas cartas na manga. Primeiro, entrega uma série de reviravoltas improváveis, comuns aos suspenses. Deste modo, a história de amor adquire um aspecto muito mais amplo, abordando igualmente a manipulação de si e do outro, a noção de identidade, de perdão, de carência afetiva e a possibilidade de que as pessoas se apaixonem, de fato, pela ideia do amor ao invés de uma pessoa em particular. Segundo, Who You Think I Am começa a brincar com a noção de ficção: qual seria o problema em criar uma versão fictícia de si mesma se criamos versões de nossas próprias histórias na literatura, por exemplo? A escritora, enquanto artista, não seria equivalente da mulher criadora de seu avatar-personagem? O roteiro compara habilmente as narrativas virtuais com as narrativas literárias, percebendo o mundo virtual enquanto ato de criação.

    Talvez o resultado fosse ainda mais potente caso Nebbou variasse a construção imagética, ou não se descuidasse em alguns simbolismos óbvios – o café que transborda, a trilha sonora cada vez mais redundante. Para cada sugestão psicanalítica intrigante – a provocação sexual de Claire com sua terapeuta – o filme traz alguma cena de teor superficial, explícito demais. O diretor demonstra hesitação entre dialogar com o público mais velho, atento às produções com Binoche e Garcia, ou o público mais jovem, principais utilizadores das novas tecnologias nos relacionamentos interpessoais.

    Mesmo assim, o saldo é positivo, e muito mais complexo do que se anuncia inicialmente. Talvez ele se perca em sua vontade pueril de pegar o espectador de surpresa, mas a confusão provocada no espectador entre o verdadeiro e o falso dialoga bem com os sentimentos de Claire. Ao final, não sabemos exatamente o que esta mulher viveu, nem podemos distinguir os fatos dos delírios de uma personagem que projeta no ser amado o desejo de juventude eterna. Mas não seria todo amor, em última instância, uma forma de idealização de si e do outro?

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

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