Arquitetura da destruição
por Bruno CarmeloDe acordo com a sinopse oficial, este documentário aborda a reunião de jovens para repensarem o domínio colonial europeu nos séculos anteriores, com a ajuda de material de arquivo de colonizadores do século XIX. O conceito é ambicioso, mas pouco da ideia é realmente posto em prática em O Forte dos Loucos. O projeto se constrói como uma espécie de instalação fragmentada visando romper qualquer ideia de linearidade ou significação narrativa. A ordem é destruir a linguagem – mesmo que não exista uma proposta de reconstrução por cima dos destroços.
Neste filme, tudo é estranhamento: um grupo de jovens toca instrumentos dos quais não sai som, embora existam ruídos e trilha completando o ambiente sonoro. O líder do grupo se comunica em língua inexistente, proferindo as tais gravações dos colonizadores antigos a respeito da importância do imperialismo. Ora eles abrem a boca e, mesmo sem emitirem sons, dão origem a legendas de diálogos na tela. Mas quem é este grupo? Por que está reunido? Isso é uma escola, um teatro, um manicômio? Até que ponto este coletivo leva seus propósitos a sério (como em Os Idiotas de Lars Von Trier, por exemplo)?
O espectador não terá quase nenhuma resposta a esta ou outras questões que surgem, umas após as outras, ao longo da projeção. De repente, um grupo de personagens desaparece e cede espaço a outro grupo de jovens, num local diferente, discutindo outros assuntos. Mais tarde, entram em cena dois entrevistados – Quem são? Por que estes, e não outros? – discutindo longamente sobre o autoritarismo dos líderes atuais, a burrice do povo que se deixa dominar, a febre do poder. A conversa ocorre em várias línguas, com pessoas se expressando entre dificuldades e devaneios. As trocas verbais são ainda mais difíceis de assimilar por surgirem fora de um contexto preciso.
É tentador embutir alguns significados a partir de signos esparsos: como a questão da anarquia é abordada, poderíamos sugerir que a diretora Narimane Mari encontra uma estética anárquica; como os garotos são árabes, a fala de colonialistas poderia servir de metáfora sobre o confronto entre dominadores e dominados. Já que pensadores gregos entram em cena, é tentador ler o projeto como reflexo da crise econômica na Grécia, símbolo da falência de uma ideia conciliadora da Europa. Mas isso corresponderia a imputar ao filme um significado que ele não pretende, por si só, desenvolver. Atribuir estas leituras políticas a O Forte dos Loucos seria tão útil quanto ver formas de animais em nuvens.
Ao longo de 145 minutos, o projeto pode cativar à primeira vista pelo hermetismo, instigando o espectador como um enigma pedindo para ser decifrado. Passado um tempo, como o filme se recusa a fornecer chaves de leitura, o distanciamento pode gerar a apatia e, consequentemente, a perda de adesão do público. Mesmo o agenciamento mais hermético de imagens precisa partir de algum conceito, visar algum objetivo. Para os estudiosos da História, anarquismo nunca foi sinônimo de bagunça, de destruição retórica. O cinema baseado apenas nos prazeres da desconstrução da linguagem fica condenado ao exercício vazio.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.