Joker é aquele filme de origem de um famoso vilão dos quadrinhos e do cinema(neste caso, talvez o maior) que cutuca tanto as onças da sociedade com a vara curta que fica praticamente impossível de não gostar, mesmo se fosse ruim, coisa que está vários quilômetros de ser. Joaquin Phoenix carrega o longa com uma maestria pouco vista na tela, em uma atuação tão brilhante que faz todo o resto do(ótimo) elenco parecer amador, e o inteligentíssimo roteiro de Scott Silver entrega tudo o que pode para tornar a origem do vilão plausível e mais um pouco : Dá nuances originais para um enredo já tão batido. Quanto menos eu penso em Coringa como um filme de quadrinhos, mais eu gosto dele, justamente pelo fato da fita se utilizar de uma premissa tão arrebatadora, que destrincha as características mais obscuras da insanidade mental(daqueles que a sociedade insiste em não ouvir, sendo depois surpreendida pelos resultados destrutivos de sua omissão) em um contexto popular, e nós temos que aplaudir a ousadia da Warner em apoiar este projeto e dar carta branca para Todd Phillips e sua turma. Acho que não dá para afirmar que este é o melhor retrato do personagem já registrado em fita. Na minha opinião, o que Heath Ledger fez em Cavaleiro da Trevas jamais será ''desfeito'', mas é impossível não se deixar levar pela composição de primeira linha que Phoenix faz aqui. O ator poderia ter se limitado a só fazer uma mera transformação física e explorar de forma caricata a loucura de Arthur Fleck, mas não, é uma atuação de tantos nuances e sutilezas que não dá para se pensar em alguém melhor para levar o OSCAR de Melhor Ator ano que vem. Do ótimo elenco, há de se reconhecer também a boa disposição de Robert De Niro, o veterano ator, cansado e no piloto automático na maioria dos trabalhos recentes, finalmente se esforça para desenvolver um personagem consistente. Mas é óbvio que não é um filme perfeito, aliás, como poderia ser com tantos naturais fatores de risco e coisas a perder. Já está mais do que claro que Todd Phillips é um grande fã dos filmes urbanos de Martin Scorsese, principalmente Taxi Driver, que aqui emula a torto e a direito, até o ponto de parecer paródico, o que se mostra completamente desnecessário, dada a força natural do material com que está trabalhando. Alguns pontuais excessos visuais e narrativos, estes de referências a outras obras, rimas visuais gratuitas, etc...Também incomodam, parece que o realizador tentou sacrificar a originalidade e força do próprio filme para regurgitar seu fascínio por trabalhos alheios. Não tem problema ser reverencial, desde que não diminua a capacidade do filme de se sustentar por si. Algumas reviravoltas na trama eu também senti que não foram desenvolvidas da maneira certa e as suas entregas não tiveram o peso narrativo que se propunham a ter, funcionando ultimamente apenas como um artifício do roteiro(que no geral é muito bom) para continuar a escalada rumo à loucura de Arthur. Mas esses erros pontuais, que sim incomodam, podem ser perfeitamente relevados em sua maioria pela conclusão excelente, que entrega tudo e mais um pouco do que era necessário para finalizar o arrebatador arco de Fleck, em um clímax arrasador que por si só já faria o filme inteiro valer apena. Portando, Coringa(Joker,2019) pode ser lido não só como um forte retrato das insistentes mazelas sociais comuns a praticamente toda civilização, mas também como um astuto e oportuno showcase do talento de um excepcional ator, em uma obra que pode mudar o jogo do estilo de adaptações de histórias em quadrinhos para o cinema.