Minha conta
    Takara - A Noite em que Nadei
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Takara - A Noite em que Nadei

    Uma breve escapada

    por Bruno Carmelo

    Era uma vez um garoto que não conseguia dormir. No dia seguinte, cansado demais para ir à escola, ele decide seguir por outro caminho e aproveitar um dia de passeio pela neve. Ele toma um trem, atravessa a cidade, caminha entre carros, mas ninguém o vê. Esta poderia ser a premissa de A Noite em que Nadei, mas é praticamente a descrição do filme inteiro.

    A fábula dirigida por Damien ManivelKohei Igarashi seria o equivalente visual de um haikai. Ao longo de menos de 80 minutos, o filme acompanha a perambulação do garoto sobre a neve, brincando com os elementos encontrados no caminho. A interação com outras pessoas é praticamente nula. Não existem diálogos no filme inteiro, e a sensação de perigo inexiste: a criança sem nome se diverte em uma bolha protegida, separada da realidade. A tela, em formato próximo do quadrado, sugere intimidade e reduz a importância dos espaços ao redor.

    Os objetivos da jornada tampouco importam, pois o protagonista parte sem rumo definido. A Noite em que Nadei ousa retirar da experiência qualquer conflito narrativo, qualquer forma de psicologia que possa facilitar a identificação com o garoto. Ele não tem nome, não manifesta alegria nem tristeza, muito menos um senso de aventura particular ou uma estratégia astuciosa para evitar a escola. O jovem constitui um corpo em movimento, deslocando-se por inércia. Este seria, por definição, um “filme de ação”, no qual existe apenas exterioridade. Curiosamente, para tantos deslocamentos, o ritmo é contemplativo, pausado.

    Talvez o resultado corresponda ao imaginário desgastado de delicadeza oriental. Kim Ki-DukNaomi Kawase ou Hirokazu Kore-eda já desenvolveram projetos nos quais as forças da natureza constituem personagens autônomos, criando uma poesia que funciona como finalidade em si própria. Em todos estes exemplos, surgiram críticas sobre o falso misticismo ou o clichê do orientalismo feito sob medida para as sensibilidades ocidentais. Seja como for, a poesia singela e pouco inovadora – que ainda encontra espaço para curtas releituras de música clássica em xilofone e piano – remete ao minimalismo narrativo como forma de humildade, como busca pela essência humana e cinematográfica.

    Felizmente, os diretores têm noção do escopo reduzido da premissa, e não forçam o resultado para além do mínimo necessário. Existe espaço para um humor leve extraído das ações ingênuas do protagonista. O projeto se conclui sem oferecer qualquer reflexão sobre o garoto, a família fantasmática, a sociedade japonesa ou outro elemento do gênero. Como um simples devaneio, ele se contenta em ser uma aventura mental, um passeio sem consequências.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top