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    Por Trás da Linha de Escudos
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Por Trás da Linha de Escudos

    Desconstrução inexistente

    por Lucas Salgado

    Por Trás da Linha de Escudos nasce a partir de uma premissa interessante: em meio a um país dividido e com opiniões muito polarizadas, há de se dar espaço para entender o outro lado. Assim, o diretor Marcelo Pedroso deixa de lado seu passado como manifestante e passa a estudar a rotina do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, unidade responsável justamente por agir na repressão à protestos e distúrbios civis por parte da população.

    Conhecido pelo trabalho em Brasil S/A, o diretor se insere completamente naquele mundo da PM, participando de operações e de treinamentos. Pedroso busca humanizar os policiais, mostrando que daquele lado também existem seres humanos. Ele colhe registros realmente interessantes, como do soldado que fala que os PMs devem realmente ser adestrados, para não levarem em conta suas opiniões, mas apenas a vontade do estado, ou da soldado que mostra de forma empolgada as fotos de seu treinamento para entrar no Choque. É uma alegria quase que desconexa da realidade, afinal é estranho ver uma pessoa com um grande sorriso no rosto lembrando do dia em que passou mal e quase pensou em desistir. A mesma mulher, ao receber a notícia de que Pedroso já havia participado de manifestações, devolve com uma pergunta: "E aí, apanhou?" Chega a ser divertido, mas ao mesmo tempo perturbador, afinal normatiza o fato de que muitas vezes eles estão ali para bater.

    A ideia de humanizar os policiais é interessante, mas não é completamente atingida. Ele dá voz aos profissionais, mas em momento algum explora a fundo suas emoções e até mesmo suas vidas pessoais. No final das contas, continuam sendo apenas um batalhão.

    Ao participar de treinamentos, Pedroso acaba com qualquer distanciamento que um pesquisador deve ter de seu objeto de estudo. Ao utilizar uma arma muitas vezes usada para combater seus pares, e o fazer sem nenhum olhar crítico, o cineasta parece seduzido pelo poder da instituição. Deixa a impressão de que é mais um homem comum que passa pelo processo de adestramento. Mais um pouco, poderia ele mesmo estar confrontando manifestantes.

    O filme oferece alguns momentos de crítica, principalmente ao retratar a diferença nas manifestações no período do impeachment. Enquanto parte da população tirava selfie com a PM, outra sofria com ataques de cassetetes e gases. Pedroso coloca essas imagens lado a lado e se mostra meio sem entender o motivo disso acontecer, embora o foco subsequente em seu rosto se justifique mais pela vontade de ser protagonista do que pela expressão que produz. Além do que, o momento crítico se perde diante do fato de que o diretor em momento algum questiona seus entrevistados sobre o que eles pensam de cenas tão diferentes. 

    Completamente sem foco, o documentário investe em alegorias vazias a partir do fato da PM violar símbolos nacionais. Então, cria escudos com a bandeira do Brasil para os manifestantes, armando-os (o que por si só já é problemático, por reforça a ideia do manifestante como agressor). Ao mesmo tempo, coloca alguém do povo violando esta mesma bandeira. Enquanto os policiais exaltam a bandeira, os manifestantes queimam a mesma, numa análise pra lá de juvenil da conjuntura social do país nos dias de hoje.

    Pedroso também não demonstra coragem nas perguntas que faz aos policiais, sempre aceitando as respostas sem maior argumentação. Por sinal, sempre que pode tenta transformar suas perguntas em coisas maiores que as próprias respostas, num exercício surreal de narcisismo. E ainda peca pela desonestidade ao não confrontar os PMs com perguntas, mas o fazer com imagens, através da montagem.

    Ao final, literalmente veste um manifestante como policial na tentativa de aproximar as realidades, mas tudo é tão vazio, tão superficial, que a cena é apenas mais uma dentre as inúmeras deslocadas da produção.

    Filme visto durante o 50º Festival de Brasília, em setembro de 2017.

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