Minha conta
    Música para Quando as Luzes se Apagam
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Música para Quando as Luzes se Apagam

    Boas intenções

    por Lucas Salgado

    Muitas vezes, na análise crítica de um filme, é importante separar a significância e atualidade temática do desenvolvimento narrativo e estético de uma obra. Um longa pode ter um tema muito importante e ao mesmo tempo entregar uma execução precária. E também pode ser narrativamente fascinante ao tratar de banalidades. Pois bem, Música Para Quando as Luzes se Apagam se encaixa na primeira situação.

    Debatendo questões super importantes e atuais envolvendo gênero, juventude, inquietude e deslocamento com o próprio corpo, o filme abre portas para debates fundamentais nos dias de hoje, em que vivemos os avanços do século XXI acompanhados por uma onda de preconceito, intolerância e conservadorismo que buscam ditar como cada um deve viver sua vida.

    Num misto de documentário e ficção, o filme acompanha uma autora (Júlia Lemmertz) que visita uma vila no sul do Brasil. Lá, começa a seguir os passos de Emelyn (Emelyn Fischer), uma jovem insatisfeita com seu corpo que inicia o processo para se tornar Bernardo. A autora acompanha as inquietudes de Emelyn, sua relação com os pais e amigos.

    O filme começa bem, com uma boa dinâmica entre as personagens, mas aos poucos vai deixando a mulher vivida por Lemmertz de lado e focando em uma série de alegorias e metáforas que não funcionam tão bem. Música Para Quando as Luzes se Apagam é muito competente ao retratar o desconforto e a sensação de deslocamento de sua protagonista. Em determinado momento, vemos Emelyn e a namorada se beijando apaixonadamente. Na sequência, vemos um jovem garoto entrar no meio do beijo e seguir ficando com a namorada, enquanto Emelyn aparentemente assiste tudo de forma passiva. Ali, antes de fazer completamente a mudança de gênero, ela não consegue entregar à amada tudo o que pretendia.

    Por outro lado, a produção investe em várias metáforas óbvias para tratar do masculino e do feminino. Enquanto o futebol e o skate surgem como exemplos de masculinidade, a patinação e o bambolê surgem para representar o feminino. São elementos muito óbvios e caricatos para uma obra que pretende debater o gênero de forma fluida.

    Tentando reforçar o caráter documental, o filme investe numa variação de razões de aspecto, numa brincadeira parecida com o que Xavier Dolan faz em Mommy. Boa parte da produção segue uma janela de 4x3, muitas vezes acompanhada por uma fotografia bem danificada, tentando passar a imagem que aquela cena foi gravada por uma câmera amadora. É interessante a forma como a razão de aspecto se amplia nas sequências mais catárticas, quase como momentos de entrega ou redenção.

    Embora ofereça bons momentos contemplativos de silência, a produção peca um pouco na trilha sonora, principalmente na opção de repetir constantemente "Sonata ao Luar", de Beethoven. Não restam dúvidas de que a música é belíssima, mas a repetição acaba por tornar a experiência menos impactante.

    Roteirista de Os Famosos e os Duendes da Morte, que também focava sua atenção nas inquietudes da juventude no sul do país, Ismael Caneppele faz aqui sua estreia como diretor. Repleto de boas intenções, o longa acaba pecando na execução. 

    Filme visto durante a cobertura do 50º Festival de Brasília, em setembro de 2017.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top