Um jovem Woody
por Barbara DemerovÉ evidente que, quando Woody Allen quer, ele é mais do que capaz de criar personagens femininas louváveis no que se diz respeito a ideais, presença e espaço narrativo. Vemos isso em Blue Jasmine com Cate Blanchett, em Hannah e Suas Irmãs com Dianne Wiest e Vicky Cristina Barcelona com Penélope Cruz, assim como em outras exceções protagonizadas por Diane Keaton - como esquecer de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa? Nestes casos, Allen inverte a padronização masculina inserida na maioria de seus personagens (quase sempre criando alter egos e não algo inédito) para abordar temas atuais e que dialoguem com uma maior extensão do público que consome suas obras. Mas, em Um Dia de Chuva em Nova York, o diretor não só deixa tal abordagem de lado como dá espaço para uma narrativa tão arcaica quanto misógina nascer, ainda que se passe nos dias atuais.
É Timothée Chalamet quem personifica a figura de Allen aqui, por mais que o jovem ator não imite descaradamente os trejeitos do cineasta. Pode até ser que passe de forma indiferente a alguns, mas seu estilo de vestimentas, o vício em cigarro e as inúmeras divagações (sejam elas em voz alta ou por meio da narração em off) são mais que suficientes para que o espectador que já assistiu a um ou dois filmes em que Allen atua encontre em tais símbolos uma forma dele se manter vivo na frente das câmeras, ainda que somente por detrás delas. Porém, este não é o maior revés da obra - chega a ser divertido ver Chalamet encarnar um personagem tão excêntrico assim, e ele o faz muito bem -, mas sim as escolhas que o roteiro propõe a entregar ao protagonista.
Portanto, Um Dia de Chuva de Nova York é exatamente aquilo que esperamos de um filme do diretor. Por que, então, ele soa antiquado demais? Além da grande questão que envolve as decisões que Gatsby (Chalamet) toma, o tratamento das personagens femininas, incluindo a sonhadora Ashleigh (Elle Fanning) e Chan (Selena Gomez), é desenvolvido de forma que elas apenas ganhem mais força quando em cena com Gatsby. E, por mais que Ashleigh seja a personagem mais independente da trama, a partir do momento em que deixa o namorado de lado para seguir uma história sobre o diretor Roland Pollard (Liev Schreiber) para o jornal de sua faculdade, ela se porta de maneira infantil e inocente em praticamente todos os momentos - o que dá mais margem para que suas diferenças com Gatsby, o maduro e melancólico, sejam gritantes.
Além da falta de espaço próprio das mulheres da história, personagens secundários como Pollard e Ted Davidoff (Jude Law) não são desenvolvidos de modo a dar aquele tipo de vislumbre que mistura o drama com a comédia, elemento conhecido na filmografia de Allen. O elenco no todo é um dos pontos altos, mas nem mesmo tal diversificação entre atores veteranos com os mais jovens e promissores traz fôlego, pois a interpretação de cada um enquanto indivíduo não abre caminhos para que tudo se conecte como uma grande teia de relacionamentos (outro elemento bastante conhecido). É apenas Liev Schreiber quem garante a presença de um personagem realmente interessante e nos moldes do estilo de Allen , mas que infelizmente "some" da narrativa de forma abrupta. A cena em que se abre com Ashleigh sobre seus problemas criativos enquanto diretor pode estar relacionada com os pensamentos do próprio Allen - e é nesta espécie de desabafo sobre arte (através da arte) que encontramos respiros inventivos de um diretor que conhece e trabalha a melancolia como ninguém quando encontra o ponto e o porta-voz certo.
Dito isso, sua versão-mirim não convence quando suas características tornam-se mais evidentes, mas sim quando Gatsby tem uma conversa franca com a mãe ou com uma acompanhante de luxo, por exemplo. São nos reflexos em que vemos que há um garoto perdido por trás do terno e da pose carregada que o protagonista é sincero consigo mesmo, até chegar a uma escolha final que vai de encontro com seu ideal, mas é completamente irresponsável com uma das personagens femininas do enredo. Allen trata Ashleigh com bastante sarcasmo, apesar de vermos desde o início que ela carrega muitos sonhos e é determinada; enquanto Chan é a garota perfeita do Upper East Side que apresenta um novo pôr-do-sol a Gatsby.
Numa trama sem muitas reviravoltas e cercada por um local familiar (tanto para o diretor quanto para o espectador), em Um Dia de Chuva em Nova York o diretor apela para este cenário reconfortante, mas que no fundo não traz brilho nem a engenhosidade que a história precisava para dar um passo adiante. Diferente de muitos outros exemplos em sua carreira, este é um filme em que Manhattan é a atração principal, e não somente um mero propulsor de histórias.