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    Desaparecimento
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Desaparecimento

    O pecado das mulheres

    por Bruno Carmelo

    O terço inicial deste drama iraniano aposta no suspense: uma jovem (Sadaf Asgari) caminha rapidamente até o pronto-socorro de um hospital, revelando às enfermeiras que foi estuprada. No entanto, a equipe médica suspeita de algo: o comportamento dela não condiz com o da vítima de uma agressão, e os exames contrariam a versão apresentada. Aos poucos, descobrimos que o problema é ao mesmo tempo mais simples e mais complicado: simples porque a protagonista teve a sua primeira relação sexual, voluntariamente, e precisa investigar um sangramento íntimo, e complicado porque o ato ocorreu sem ser casada, algo estritamente proibido pela lei islâmica.

    Desaparecimento parece seguir o filão das histórias morais criadas por Asghar Farhadi, nas quais o medo vem de fatores estruturais da sociedade (a moral, a religião, a censura) ao invés de reviravoltas externas. O diretor Ali Asgari encaminha sua protagonista por um périplo noite adentro, ao lado do namorado, em busca de um hospital que aceite examiná-la sem a presença do marido ou pai – regra obrigatória no local. O único “crime” da garota foi expressar a sua sexualidade sem o consentimento de um homem. Agora, a consequência é arriscar a própria saúde em nome deste instante de autonomia feminina.

    Aos poucos, o suspense perde a sua força. Para que a tensão se mantivesse, era fundamental que o perigo fosse intenso, tanto psicológico quanto físico. O roteiro revela que a garota tinha uma série de contatos, inclusive médicos, que poderiam ajudar. Algumas dessas pessoas sugerem que talvez os pais da garota nem ficassem tão perturbados assim com a descoberta. Outras lembram casos parecidos, ocorridos a conhecidos, sem grandes consequências. Teríamos então o retrato de uma sociedade islâmica moderada? O drama evita o comentário político, preferindo se aprofundar nas inseguranças da garota. De um drama social, enveredamos pelo caminho puramente psicológico.

    Com os riscos atenuados, a jornada de hospital a hospital começa a soar mais repetitiva do que necessária. As atuações de Sadaf Asgari e Amirreza Ranjbaran, nos papéis principais, carecem de transformação: apesar da transformação gradativa da trama, eles mantêm as mesmas expressões, sem ambiguidades ou variação na intensidade. A premissa, anunciada com a intensidade de um thriller político, resolve-se de modo anticlimático. O próprio título, aliás, merece ressalvas, por encontrar um significado apenas na conclusão.

    Apesar das ressalvas, Desaparecimento apresenta imagens elegantes, bela fotografia e controle seguro dos enquadramentos, acompanhando os personagens por corredores e ruas, com a câmera colada às nucas. Existe evidente domínio de direção no projeto, além de uma fuga aos clichês da cultura muçulmana normalmente apresentados aos ocidentais. Faltou apenas a condução mais segura do tom e maior clareza no ponto de vista em relação ao discurso que se pretende transmitir com a odisseia da garota atormentada.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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