O Poço (El Hoyo)
Dirigido pelo estreante Galder Gaztelu-Urrutia, a Netflix em parceria com o cinema espanhol nos traz o filme mais importante para assistirmos nesse período de quarentena.
Em um cenário atual onde a sociedade vive uma pandemia do 'Coronavírus', observamos diariamente as pessoas com o pensamento unicamente em si próprio. Na medida em que vemos milhares de pessoas desesperadas em estocarem alimentos em suas casas, em comprar todos os álcool em gel possíveis. É exatamente nesse momento que entra em cena "O Poço", e não poderia ter momento melhor para a sua estreia.
O longa toca exatamente nesse ponto, no egoísmo, na falta de solidariedade humana, na empatia pelo próximo, sendo uma analogia perfeita sobre a nossa sociedade. É muito "óbvio" que o filme é uma metáfora explícita sobre a selvageria proporcionada pelo capitalismo e o comunismo a desigualdade social. O longa da Netflix quebra paradigmas ao nos apresentar uma obra tão ambígua, em que temos várias possibilidades de interpretações (principalmente no final). Temos alegorias, alusões, metáforas, tudo ali explícito para nós, até com citações à passagens bíblicas.
Podemos facilmente observar o verdadeiro intuito do filme ao nos apresentar o cenário principal do longa, o poço vertical, que é utilizado como uma espécie de cadeia. É nesse ponto que pegamos a crítica ácida do roteiro e colocamos em nossas classes sociais. Ora os presos estão nos andares de cima e comem a vontade sem ao menos pensar nos que estão nos andares abaixo, ora os que estão nos andares abaixo estão nos andares acima e compactuam dos mesmos pensamentos. Ou seja, quando você está por cima, você não pensa nas pessoas abaixo de você, mas quando você está por baixo você quer que as pessoas acima pensem em você. Eu achei de uma genialidade incrível a forma como o filme nos joga na cara cada um desses pontos. Dessa forma podemos observar as distintas pessoas que estão naquele local inóspito, talvez cada uma com um propósito, ou talvez não, dada as circunstância pela qual cada uma tenha vindo parar ali, ou talvez não - é tudo uma questão de interpretação, e nisso o filme nos ganha, por nos dar margens para as várias possibilidades que estamos montando em nossas cabeças. Incrível!
O longa explícita analogias com a desigualdade social, em nos mostrar como o ser humano pensa somente em si próprio e nunca no próximo, como o fato do racionamento de comida para os demais que estão abaixo. Até que em um certo momento eles tentam forçar um socialismo em dividir a comida. Outro ponto é o fato de você sempre ser obrigado a comer os restos das comidas das pessoas que estão acima de você, até porque você não tem outra escolha (uma clara alusão à classe social rica, que sempre estão acima da classe pobre). Ai entra outro ponto em questão, você come a comida porque tem que se alimentar pra se manter vivo, mas ao mesmo tempo que você cospe e urina na comida dos outros que estão abaixo de você pelo simples fato de você imaginar que os que estão acima fizeram o mesmo pra você comer.
A parte final do filme pra mim é a cereja do bolo, por se tratar de um final ambíguo, que te entrega o que a sua mente desvendar ou assimilar, ou até livres de amarras e totalmente interpretativo. Podemos interpretar vários finais para o filme! É a típica obra que não precisa seguir a regra de um início, um meio e um fim, é direto ao ponto e você se encarrega de desvendá-lo da forma que você quiser. Até pelo fato do longa navegar no terror, no suspense, no drama, saindo totalmente do trivial que o público se acostumou.
O diretor espanhol Galder Gaztelu-Urrutia faz um belíssimo trabalho logo em sua estreia nos cinemas. O Poço tem um ótimo trabalho de direção, muito bem arquitetado e com uma cenografia e uma ambientação muito segura. Constrói um clima claustrofóbico e tenso que casa perfeitamente com todo ambiente, que por sua vez também casa com uma fotografia mais acinzentada e borrada. O elenco também anda na mesma sintonia e apresenta ótimas atuações, com um destaque muito merecido para o ator espanhol Ivan Massagué.
O Poço é uma grata surpresa, até por inicialmente achar que eu não fosse gostar, mas o filme tem um ótimo e profundo conteúdo. E por ser bastante metafórico eu irei assistir mais vezes, porque cada vez que eu assisti, eu poderei tirar mais ou até outras interpretações. É isto que faz este filme se tornar grandioso! [24/04/2020]