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    O Quebra-Cabeça
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Quebra-Cabeça

    Rebeldia retrô

    por Taiani Mendes

    Remake de um excelente drama argentino de 2009O Quebra-Cabeça tem trama estabelecida em 2014. Talvez seja pela obsessão de um dos personagens por acompanhar desgraças na TV, talvez os roteiristas tenham achado que Kelly Macdonald como uma dona de casa avessa à tecnologia e totalmente desligada das atualidades seria mais crível quatro anos atrás, mas certamente eles consideram quebra-cabeças um jogo do passado. Assim sendo, o cheiro de naftalina se espalha por todo o filme, inerente aos passos inseguros da protagonista Agnes (Macdonald).

    No original a heroína tem 50 anos, porém Hollywood continua não sabendo lidar com mulheres maduras e, para a surpresa de zero pessoas, ela é mais jovem nesta versão dirigida por Marc Turtletaub. Kelly aparenta menos de quarenta anos, mas os traços de "senhora argentina em 2009" foram mantidos e a personagem vive para os dois filhos, o marido e a igreja; não sabe o que é Google e veganismo; ignora smartphones; e há anos não visita a cidade grande mais próxima: Nova York. É uma forçação que, além de não combinar com a escalação da atriz, não precisava existir, pois, ao contrário do que o longa-metragem prega, ter uma vida fora do comum não é pré-requisito para adentrar o universo das peças que se encaixam - uma forma de organização do caos do mundo que ajuda as pessoas especiais, o roteiro explica.

    Quando todas as dicas do quão ultrapassada é a história estão dadas, torna-se previsível o que virá na sequência e, da maneira menos surpreendente possível, seu relacionamento com a dupla profissional Robert (Irrfan Khan) descamba para o amor instantâneo, o ignorante marido opressor vai colocando as manguinhas de fora e ela dá seu(s) grito(s) de independência (fumando, reclamando, decidindo...). A prática no quebra-cabeça serve para essa descendente de húngaros remontar sua existência, não exatamente inspirada pelos desenhos que monta, mas influenciada pelo que é levada a fazer pela mania - sair de casa, mentir, se aproximar de outra pessoa.

    Caracterizada quase como autista, Agnes ocupa sempre sozinha o centro do enquadramento, descolada dos cenários, numa frequência só dela, guiada pela observação. Sua rotina repetitiva e desestimulante é bem apresentada e o tom de conformismo encontrado por Macdonald é das poucas coisas convincentes envolvendo a solitária personagem e seu processo de libertação da servidão aos homens, mal inclusive diagnosticado por eles, pois a presença feminina em O Quebra-Cabeça para além da protagonista é praticamente inexistente e mesmo sua emancipação está ligada a sugestões do filho ou do parceiro.

    Largando o catolicismo para aparentemente encontrar seu caminho numa filosofia budista, Agnes segue dispensáveis regras masculinas para solucionar um pequeno quebra-cabeça dramático, bastante aquém de sua complexidade e capacidade. O cineasta demonstra não conhecer a mulher real existente entre as fantasias de Mata Hari e a submissão familiar à moda antiga.

    Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.

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