Inventividade sem excessos
por Kalel AdolfoApós entregar obras brutais — como a refilmagem de Viagem Maldita, Alta Tensão e o recente Predadores Assassinos — o cineasta francês Alexandre Aja retorna com um de seus projetos mais polidos. Ao invés de chocar pelo excesso, a direção de Oxigênio opta por sufocar o espectador aos poucos, apresentando pequenos detalhes narrativos que nos prendem mais a cada minuto.
Aliás, Oxygen representa uma importante reinvenção na carreira do diretor, já que aborda temáticas — e escolhas criativas — nunca antes vistas em sua filmografia. Claro, o suspense tradicional pelo qual é conhecido está aqui. Mas em determinado momento, a história adentra gêneros e territórios imprevisíveis, tornando toda a experiência extremamente recompensante.
Na trama desta nova produção da Netflix, Liz (Mélanie Laurent) acorda em uma câmara criogênica, sem saber como ou por que está lá. Aliás, todas as suas memórias foram removidas, ao ponto da protagonista não saber o próprio nome. Por isso, ela precisa encaixar as peças de um enigmático quebra-cabeça para escapar antes que o armazenamento de oxigênio do local acabe.
Particularmente, sou um grande fã de roteiros ambientados em um único lugar. 10 Cloverfield Lane — aclamado longa de Dan Trachtenberg — é um dos melhores exemplos recentes, pois consegue amedrontar o espectador sem recorrer a grandes aparatos técnicos. O sucesso do resultado depende de apenas dois fatores: inventividade narrativa e boas atuações. E aqui, Alexandre Aja consegue comandar esses requisitos com facilidade.
A câmara criogênica — que acaba se tornando um dos personagens principais do projeto — impressiona com a riqueza de detalhes. A inteligência artificial que habita a máquina, o sistema operacional engenhoso e as inúmeras funcionalidades da cabine são aproveitadas ao máximo para trazer dinamismo à história.
Há poucos momentos em que a experiência se torna monótona, porque há sempre novos elementos — internos e externos — movimentando a proposta. E claro, Mélanie Laurent (Bastardos Inglórios) entrega uma performance convincente e desesperadora como Liz.
Desde o momento em que abre os olhos no local, a atriz consegue dominar o espaço, sendo capaz de transmitir todos os seus sentimentos ao público. A empatia que criamos por ela torna toda a jornada ainda mais angustiante.
Sustentar um filme de quase duas horas — completamente sozinha — pode ter resultados desastrosos, mas esse não foi o caso em Oxigênio. Portanto, além de competente, o longa demonstra uma confiança perceptível durante todo o seu desenvolvimento.
Outra característica relevante na obra de Alexandre Aja é a inserção de revelações e viradas em momentos propícios. Ao invés de saturar os plot twists, o diretor é capaz de distribuir as maiores surpresas ao decorrer dos atos, sem tornar a produção maçante ou cringe.
A intensidade do suspense vai aumentando de forma gradativa, culminando em um desfecho que só é apresentado nos últimos segundos. Porém, nem tudo é perfeito: apesar de bem-sucedido, o roteiro vem com grandes defeitos.
Talvez o maior deles seja apresentar soluções simplistas para problemas centrais. Criamos expectativas acerca de determinados segredos, e a resolução deles acaba sendo medíocre, não correspondendo ao clímax construído.
Aja também é conhecido por abusar da violência gráfica em seus trabalhos. Mas desta vez, o diretor dá um passo para trás e acaba diminuindo a força de algumas cenas que poderiam ser mais impactantes. Por se tratar de um título tão polido, não haveria desequilíbrio em entregar uma ou outra sequência chocante.
E por último, é notável que o terceiro ato do longa — que mergulha na ficção científica — acaba pecando nos efeitos visuais, que diminuem drasticamente a credibilidade da história. Mesmo assim, Oxigênio termina com um saldo positivo.
Corajoso e inventivo, o filme é um prato cheio para os fãs de um bom mistério, entregando grandiosidade através da sutileza.