A comida é uma prova de amor
por Bruno CarmeloNa primeira cena, a câmera se foca nas mãos de um cozinheiro anônimo preparando um lámen japonês, passo a passo. Somos apresentados primeiro à comida - personagem principal do filme - e depois aos seres humanos. Ao longo de 90 minutos, dezenas de pratos são detalhados com os personagens explicando uns aos outros os ingredientes e os procedimentos exatos para se obter o gosto ideal. Transitamos dos restaurantes às casas, do Japão à China e Singapura. Para o diretor Eric Khoo, a comida é o elemento capaz de ultrapassar as diferenças e unir os povos.
Acima de tudo, o alimento é revestido de impressionante valor afetivo. Talvez esta seja a principal qualidade do projeto: o cineasta dedica grande atenção aos pratos que marcaram a nossa infância, às receitas degustadas quando encontramos pela primeira vez a pessoa amada, àquela refeição que só uma pessoa específica prepara do jeito que a gente gosta. Existe um teor minimalista nos enquadramentos frontais e nas luzes brancas, destinadas a representar elementos complexos e não imagéticas por definição, como gostos, cheiros, memória, saudade. Khoo apela para um cinema singelo em forma e conteúdo, privilegiando a poesia das coisas simples.
Apesar do humanismo louvável, Lámen Shop apela com frequência para recursos pouco inventivos do melodrama televisivo. Trilha sonora em excesso (temas recorrentes em piano e flauta) e diálogos com teor explicativo (“Ele preservou a memória dela em cada tigela de lámen”, “A comida não só sacia, mas ajuda a criar laços entre os amigos”) diminuem a possibilidade de o espectador projetar as suas próprias lembranças afetivas neste contexto, pois as conclusões são entregues sem grande esforço ao público. A narrativa lança reflexões e conclusões de uma vez só, colocando o espectador de modo passivo face aos conflitos.
Paralelamente, algumas reviravoltas se resolvem de modo abrupto demais – o imbróglio avó-neto – enquanto o contexto turístico não deixa de soar acessório dentro da trajetória de Masato (Takumi Saitoh), que convenientemente descobre fatos sobre o passado familiar que estavam à sua disposição há muito tempo. Khoo até investe numa temática mais pesada, sobre a batalha de Singapura, quando tropas japonesas assassinaram milhares de pessoas em 1942. No entanto, o trauma é utilizado para sugerir que desavenças devem ser esquecidas, e todos deveriam se reunir em torno de um bom prato de ba kut teh, ou qualquer outra especiaria capaz de aquecer corações. Trata-se de um pacifismo tão belo quanto simplório, por ignorar aspectos históricos e sociais.
“Quando a vida fica pesada demais, a beleza da natureza é um bom remédio”, afirma uma personagem a certa altura da trama. “As diferentes etnias fazem os pratos serem variados”, lembra outra. Como um biscoito da sorte, Lámen Shop combina receitas de vida e receitas culinárias, tratadas de modo indistinto. Os personagens ensinam uns aos outros como cozinhar, como amar, como se reconciliarem. Todas as feridas se resolvem entre carnes e temperos, entre lágrimas e abraços. Esta pode ser uma visão simplista dos laços sociais, mas é difícil dizer que falta sinceridade à utopia proposta pelo diretor.