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    Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir

    O direito de ir e vir

    por Bruno Carmelo

    O documentário do chinês Ai Weiwei conjuga duas abordagens bastante diferentes, ainda que complementares, sobre o fluxo contemporâneo de migrações e a crise de refugiados. O cineasta pretende conjugar o aspecto global, compreendendo o fenômeno de modo distanciado e sociológico, com o aspecto individual, entrevistando refugiados e retratando o impacto psicológico das vidas precárias em países vizinhos.

    O âmbito global, neste caso, ganha maior atenção. O diretor efetuou dezenas de viagens pelo mundo inteiro investigando as particularidades dos campos de refugiados na África, na Ásia e na Europa. Em cada caso ele explica ao espectador, de modo sucinto, o motivo político, religioso ou étnico que deu origem à fuga massiva de habitantes, e as principais rotas escolhidas por cada um. Com imagens deslumbrantes e cartelas didáticas, o filme pretende sensibilizar o espectador médio e denunciar, em primeiro momento, o descaso dos governos – europeus, em especial – com os imigrantes que chegam diariamente no continente.

    Felizmente, Human Flow não para na constatação do problema. Ai Weiwei busca contradições nos discursos oficiais, a exemplo da entrevista com a princesa da Jordânia, defendendo que seu país é aberto a todos os refugiados, apenas para ser contradita por um artigo de jornal informando que 75 mil sírios foram barrados nas fronteiras do país. Após cenas sobre a ação benéfica das Nações Unidas, são revelados alguns campos de refugiados aos quais a organização jamais forneceu ajuda. O filme abre espaço para refletir sobre as consequências da migração para os não-migrantes: a crise de refugiados estaria diretamente envolvida com a ascensão do extremismo religioso, assim como à dificuldade de compreender uma cultura diferente.

    No âmbito individual, o projeto se preocupa em humanizar as dezenas de sírios, palestinos e afegãos retratados. Além de entrevistas e retratos fotográficos, estes grupos são vistos em interações cotidianas: cozinhando, brincando, conversando. É no retrato da normalidade que o cineasta pretende fazer dos refugiados um outro de nós – condição indispensável para despertar identificação do público. Os pais em busca de empregos e os filhos precisando ir à escola correspondem a uma realidade de fácil assimilação por pessoas distantes desta realidade. Infelizmente, os retratos pessoais ganham um espaço muito menor do que a dimensão mundial  e geográfica. Às vezes, o documentário parece mais preocupado com as belas imagens de drones do que com os retratos de homens, mulheres e crianças.

    Human Flow também sofre com problemas de ritmo. Os 140 minutos podem ser importantes para Ai Weiwei representar múltiplos grupos sociais em várias partes do mundo, no entanto, são construídos sem senso de narrativa. Não existe, propriamente falando, um percurso seguido pelo filme: os blocos de viagens se sucedem, se acumulam, sem acrescentar uma nova linha de pensamento. Como documentário de observação, ele capta o máximo de registros possíveis, mas pela linearidade da montagem, o resultado final poderia ter dezenas de minutos a menos ou a mais, sem que a discussão humanitária fosse comprometida. Em alguns momentos, a projeção soa arrastada, ou pelo menos repetitiva.

    Mesmo assim, é louvável que o diretor encontre espaço para leveza e humor, equilibrando as histórias trágicas. O documentário proporciona os seus melhores momentos através da espontaneidade das crianças: sem compreenderem a situação de suas nações, ou de suas próprias famílias, os garotos e garotas pequenos se divertem em frente às câmeras, correm de um lado para o outro, acenam para o diretor. Para eles, a realidade é essa, não existe nada diferente da migração. Aquelas crianças sorrindo são como quaisquer outras, de qualquer país, de qualquer religião. Isso ajuda a lembrar que, na origem, somos todos iguais e que, politicamente, deveríamos continuar assim.

    Filme visto na 41ª Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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