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    Um Funeral em Família
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Um Funeral em Família

    Esses caipiras engraçados

    por Bruno Carmelo

    O tio Anthony (Derek Morgan) acaba de morrer. Enquanto a família se reúne, o idoso tio Heathrow começa a dizer o quanto gostaria de transar com as moças que circulam pela casa. Madea (Tyler Perry) grita com ele, pede que se cale. O tio lança uma nova descrição do que faria com cada uma delas na cama. A tia Bam (Cassi Davis) ameaça quebrar a dentadura dele. Heathrow afirma que, apesar de ter perdido o movimento das pernas, o sexo ainda funciona muito bem. Mais gritaria, novos pedidos de silêncio. O tio insiste nas piadas.

    Para um gênero tão dependente da agilidade quanto a comédia, é surpreendente como Um Funeral em Família se arrasta. A cena descrita acima deve durar dez minutos, e resume a estrutura geral deste filme: uma série de esquetes costuradas, cada uma em torno de uma única ideia. O encontro da família com um policial, os discursos durante o enterro, a descoberta do pênis ereto do cadáver, todos duram uma eternidade - dez minutos pelo menos, com um único motor humorístico: a obscenidade PG-13 (permitida para menores de idade), na qual se insinua sexo o tempo inteiro sem jamais passar ao ato. Os personagens idosos se encarregam da ameaça de erotismo, enquanto os jovens vivem um melodrama sobre esposas traídas e irmãos pecadores.

    Nos Estados Unidos, este projeto possui um significado especial: trata-se do décimo primeiro e último episódio de uma longa franquia ao redor da personagem Madea. Este ícone popular é conhecido pela caracterização estereotipada dos pobres: a vulgaridade, a sexualidade aflorada, o linguajar chulo, a paixão pela comida, a tendência às brigas barulhentas. Os críticos costumam detestar, mas o sucesso de público é considerável - especialmente em se tratando de uma comédia tão barata, de moldes teatrais, movida a diálogos em espaços fechados.

    Para os brasileiros, o filme pode ser consumido como um projeto independente, ainda que a caricatura do sulista norte-americano tenha poucas referências em nossa cultural local. Após tantos episódios da série que não chegaram aos cinemas brasileiros, é possível que Um Funeral em Família tenha recebido o destaque pela presença do elenco inteiramente negro, no momento em que se demanda, com razão, maior representatividade étnica na arte. Não seria impossível que o espectador local estabelecesse um paralelo com humoristas brasileiros igualmente conhecidos pela representação carinhosa/grosseira das classes populares, entre gritos e piadas maliciosas.

    Pode-se questionar até quando sobreviverá o humor do travestimento, a graça de ver um homem (Tyler Perry, no caso) vestindo roupas femininas, apalpando os seios postiços, usando maquiagens exageradas de modo a revelar ao público sua farsa - afinal, o prazer se encontra na própria percepção do falso. Até quando essas figuras tipicamente marginalizadas serão alvo de chacota - em outras palavras, em que momento vamos parar de rir delas para começar a rir com elas? Em pleno século XXI, ainda se prefere ridicularizar grupos tradicionalmente rechaçados ao invés de atacar as figuras de poder. O protagonismo negro, neste caso, soa contraproducente por reforçar estereótipos ao invés de subvertê-los.

    Em termos de direção, o projeto transparece uma pobreza assombrosa. Mais preocupado em captar as farpas verbais e os corpos dos atores (a silhueta voluminosa dos velhos, os corpos esculturais das mulheres e homens jovens), Perry demonstra pouca preocupação em criar ritmo através dos enquadramentos ou da montagem. Para acomodar várias versões de personagens interpretados por Perry na mesma cena, os editores apenas cortam de rosto em rosto, enquanto a fotografia fornece uma mínima indicação da presença do outro personagem no canto do enquadramento - o pedaço de uma peruca branca indica que Madea está de costas, conversando com outro alter-ego de Perry. A iluminação lembra um spot publicitário, a direção de arte se faz meramente funcional. Neste universo de perucas e barrigas de enchimento, tudo é acessório, tudo é artifício. Quando os personagens saem nas ruas, não existe ruído, não há outras pessoas ao redor. O mundo é um grande estúdio.

    Pela configuração limitada do espaço e do tempo, lamenta-se o desperdício de atores talentosos como Jen Harper, buscando construir personagem em meio às infinitas piadas de pênis. Em paralelo, alguns nomes prejudicam o resultado: a tentativa de Rome Flynn em extrair dramaticidade soa tão penível quanto os contorcionismos de Patrice Lovely para fazer rir. Os atores são dirigidos como se pertencessem a filmes diferentes: Ciera PaytonAeriel Miranda atuam com toda a seriedade do mundo, enquanto Khaneshia KJ Smith e Tyler Perry se esbaldam no humor físico e escatológico. A mistura resulta num prato indigesto, elaborado sem muito cuidado na elaboração, nem na execução.

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