Exposição de egos
por Barbara DemerovApós uma estreia marcante na direção com seu poderoso thriller O Abutre, o diretor e roteirista Dan Gilroy agora foca em outro tipo de demonstração da luta por influência, poder e a imagem perfeita. Através do consumismo incessante e do comércio cravado em quadros, artefatos e exposições de grande escala, ele impulsiona uma história de horror ao mesmo tempo em que a narra como sátira. A partir da arte que seus personagens vendem e falam sobre, Gilroy intercala questões sobre este mercado que vão além de "o que é arte?" até chegar em "até quanto (e quando) elas realmente valem a pena?".
Mas Velvet Buzzsaw não é apenas um filme sobre o meio artístico. É um filme sobre ego, vaidade e a monotonia dentre essas figuras que, em teoria, trabalham para entregar conteúdo às pessoas. Temos Morf (Jake Gyllenhaal), um crítico de arte, Rhodora (Rene Russo), a dona de uma galeria, e Gretchen (Toni Collette), uma consultora, além de clientes e empregados do meio. Todos acabam girando em torno de um novo pintor chamado Ventril Dease – que, apesar de já estar morto, acaba por fazer mais sucesso que qualquer outro gênio do meio. O modo como o trabalho de Dease vem à tona (por mérito de Josephina, interpretada por Zawe Ashton) é extremamente controverso e, sobretudo, composto pela principal mensagem que o diretor quer passar.
Gilroy desenvolve o enredo por meio dos questionamentos e decisões de todos esses personagens, cujos diálogos expõem bem suas visões e intenções perante o mundo artístico, e aproveita a aura esquisita que vaga por todas as cenas para entregar um resultado sólido, mesmo que carente de twists mais marcantes. Talvez esta tenha sido uma decisão do diretor e é por isso que o filme não se torna exaustivo: com uma fórmula que valoriza o que há de mais supérfluo na arte, o foco em Velvet Buzzsaw não é exatamente apreciar o que há de mais belo e instigante nas telas, mas sim conhecer o vazio que habita aquelas mentes interessadas em dinheiro e autoridade.
Morf é o personagem com mais identidade dentre todos, seguido pelo pintor Piers (John Malkovich, sempre preciso e estranho nas mesmas medidas). Ambos têm a intenção de seguir firmes com o trabalho que exercem, especialmente pelo fato de Morf ser a ponte entre a arte e seu público. A anormalidade na obra de Dease, que parece incompleta, acaba influenciando Morf a correr atrás de mais informações sobre sua trajetória, e este é o espaço que o roteiro encontra para inserir mistério e horror. Enquanto existe essa pequena investigação, o filme transita entre o trágico e o cômico diante dos demais personagens. Pequenas participações dos atores Natalia Dyer, como a assistente Coco, e Daveed Diggs, como o artista de rua Damrish, dão certa dinâmica que só salienta esta condução inusitada e provocadora. O elenco como um todo funciona extremamente bem, especialmente Jake Gyllenhaal, cujos trejeitos e expressões conversam com o estilo debochado do diretor.
Mas se Velvet Buzzsaw é afiado nas questões sociais e de integridade em um ambiente clean e minimalista, ele fraqueja por não se encontrar exatamente em nenhum gênero. Não é uma comédia, mas uma comédia carregada e cheia de ironia. Não é um terror, mas um terror que encontra pontos cômicos dentro de cada cena trágica. Essa não é uma observação completamente negativa, mas certamente é bem diferente do que Gilroy criou em O Abutre – uma trama densa, cheia de horror e que não dá espaço para risadas. De qualquer forma, seu novo filme é criativo o suficiente para ser visto como mais uma evidência de que este é um diretor com ideias que causam impacto, assim como algumas obras de arte que precisam ser analisadas mais de uma vez.
Em determinados momentos vemos consultores que não sabem identificar o que é arte ou não, pintores preocupados em satisfazer mais o que há externamente do que internamente e a excessiva busca por aceitação de diversos os lados. Há perigo na arte quando a mesma é vista pura e simplesmente como mercado, e esta é a maior reflexão contida em Velvet Buzzsaw. O vazio e o conteúdo lutam entre si, ao mesmo tempo em que alguns personagens também lutam para entender o que eles mesmos estão tentando vender ou ser. Ego ou essência? Eis a questão.