O trauma do HIV
por Bruno CarmeloEste projeto parte de uma ambição profunda: mostrar como três gerações de homens homossexuais lidam de maneiras muito diferentes com o amor e o sexo devido ao HIV. Primeiro, existe Julian (Everett Quinton), professor de arte cuja juventude se passou antes da descoberta do vírus na sociedade, depois temos o aluno dele, Sam Cooper (Alan Cumming), que viveu precisamente os anos mais duros da AIDS, perdendo muitos amigos à doença, e por fim Braeden (Zachary Booth), jovem em relacionamento aberto com um rapaz soropositivo.
O diretor e roteirista Vincent Gagliostro faz de Sam o personagem principal, com foco na obsessão pela morte do amigo William, vítima de AIDS. O protagonista tenta há anos concluir um documentário sobre o tema, como forma de efetuar o luto, mas não consegue. O desenvolvimento deste personagem é o principal trunfo do filme, devido ao talento de Alan Cumming e à complexidade do personagem, parte solidário à comunidade LGBT, parte arrogante por ter vivido uma tragédia que ninguém mais viveu. Sam precisa falar de seu sofrimento com pessoas que, felizmente, jamais compreenderão o que foram aqueles anos.
No entanto, After Louie é prejudicado por certas escolhas imagéticas e narrativas. Sam é confrontado a personagens muito mais rasos do que ele. Braeden é um tipo superficial, sem objetivos na vida, interpretado de maneira curiosa por Zachary Booth: o ator parece saber exatamente o que pretende fazer com seu corpo, mas não com o olhar, sempre vazio. O namorado dele, Lukas (Anthony Johnston, co-roteirista do filme) ostenta os mesmos olhos de garotinho triste, apesar de se envolver em situações que exigiriam variação emocional. A talentosa Sarita Choudhury é limitada ao papel de “amiga dos gays”, figura feminina heterossexual comum aos filmes de temática LGBT, servindo apenas para dialogar com o protagonista e ouvir os problemas dele, sem possuir o mínimo de complexidade própria.
A construção das imagens e do ritmo é ainda mais deficiente. Gagliostro tem dificuldades em trabalhar com o formato scope, achatando as suas imagens e colocando personagens no centro exato da tela, ou dois personagens nos terços precisos do quadro. A linguagem se limita a planos de conjunto ou planos e contra-planos durante o diálogo, de maneira frontal e acadêmica: abre-se o quadro para abraçar o máximo de elementos necessários, mas sem sugerir movimento, sem explorar espaço, sem utilizar pontos de vista subjetivos, sons fora de quadro, ações em profundidades distintas. Enquanto isso, a narrativa depende dos diálogos incessantes para desenvolver o que as imagens não conseguem mostrar por conta própria.
A temática do HIV recebe tratamento frágil pelo roteiro incapaz de observar a sociedade fora do apartamento de Sam. No início, algumas vozes em off trazem ideias complexas sobre o vírus (que seria “pior do que a guerra”, porque cria preconceito e coloca pessoas de um mesmo grupo social umas contra as outras), mas logo o procedimento é substituído pela lógica do drama padrão. No final, as coisas se acertam magicamente: as desavenças desaparecem, os inimigos fazem as pazes, amigos transam numa banheira durante uma festa. After Louie parte de um olhar doloroso à realidade para se concluir como fábula natalina muito afastada da sociedade em que vivemos.
Filme visto no 25º Festival Mix Brasil, em novembro de 2017.