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    Cavalos Roubados
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Cavalos Roubados

    As pequenas memórias

    por Bruno Carmelo

    Uma belíssima floresta nórdica, coberta de árvores altas, riachos cristalinos, cabanas aconchegantes e isoladas da civilização. O pôr do sol iluminando troncos de árvore caindo na mata, o riso de pai e filho plantando bananeira lado a lado, a neve cobrindo a maioria das casas de uma cidadezinha. Out Stealing Horses baseia sua beleza imediata na natureza de cartões postais, no “valor de produção” dos cenários que enchem os olhos – no sentido quase literal do termo, em função do formato scope e dos planos abertos.

    Junto à plasticidade da natureza selvagem, o filme fornece memórias saudosas da infância. Algumas são traumáticas (o abandono do pai, a morte da esposa), mas muitas são divertidas, nostálgicas, incluindo as brincadeiras na água e a recordação dos livros de antigamente. Trond (Stellan Skarsgaard) é o narrador desta história, um homem idoso que se isolou de todos os conhecidos para passar o fim de seus dias numa cabana, cercado pela neve. Quando um vizinho evoca o tempo de sua infância, ele não consegue impedir o fluxo de recordações da juventude. Ironicamente, na tentativa de se afastar dos laços afetivos, eles retornam num domínio que foge ao seu controle.

    Assim, a estrutura narrativa alterna placidamente entre o presente e o passado, com flashbacks de diferentes épocas. Não há uma evolução do enredo no sentido de conduzir o espectador a algum lugar preciso. O drama se desenvolve por aquilo que José Saramago chamava de “pequenas histórias”, ou seja, as lembranças que parecem ter pouca importância dentro de uma vida inteira, mas guardam um sabor, um cheiro ou uma textura particulares. Assistir a Out Stealing Horses equivale a folhear o álbum de retratos de outra pessoa, escutando as anedotas evocadas por cada nova imagem.

    Na direção, Hans Petter Moland representa a juventude com uma fotografia tão trabalhada que beira o material publicitário. O diretor aposta em tons fortemente coloridos, com muito contraste, flares, câmeras lentas e trilha sonora de impacto. Em suma, um coquetel de adereços que funcionam bem juntos, ainda que tornem o resultado um tanto padronizado. As experiências únicas de um homem singular são transformadas nos prazeres de qualquer panfleto turístico, provavelmente na tentativa de atingir maior universalidade do discurso e apelo ao público médio.

    O projeto deve funcionar, e muito bem, com os milhares de leitores do best seller homônimo no qual a adaptação foi baseada. (Aliás, algumas cenas mal desenvolvidas soam como tentativas de incluir a qualquer preço certos trechos literários – especialmente um momento envolvendo ovos quebrados e outro, sobre um soco no meio da rua). A presença de Skarsgaard à frente do elenco confere maior credibilidade ao conjunto: é impressionante o que o veterano é capaz de fazer em poucas cenas, e especialmente com o trabalho de voz através da narração em off. Mesmo assim, a longa evocação daqueles “bons tempos que não voltam mais” se priva de emitir qualquer comentário relevante sobre a época em que se inseriam. O filme se preocupa demais com a beleza das paisagens para enveredar pelos aspectos menos lustrosos da mente de um homem traumatizado.

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

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