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    Maligno
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Maligno

    O perigo da maternidade

    por Bruno Carmelo

    É correto dizer que toda criança nasce pura e inocente? Esta natureza bondosa seria parte da índole da pessoa (um indivíduo bom seria bom para sempre, um malvado seria malvado para sempre) ou a criança nasceria bondosa, até ser corrompida pela sociedade? Estas questões vêm à tona diante de Maligno, nova proposta dentro do subgênero do terror com crianças assassinas. Se o seu filho começasse a desenvolver instintos de morte, você deixaria de amá-lo? O comportamento da criança não seria fruto direto de sua criação? O fracasso do filho não implicaria, em última instância, no fracasso dos pais?

    Por todos os questionamentos acima, percebe-se que o principal conflito do filme se encontra na mãe, Sarah (Taylor Schilling), ao invés do menino. Carregando um misto de culpa e raiva, ela descobre o comportamento agressivo de Miles (Jackson Robert Scott), que também pronuncia frases estranhas à noite e diz escutar vozes dentro da sua cabeça. Sarah e o marido John (Peter Mooney) não possuem conflitos além da questão da paternidade. Não sabemos se trabalham, se têm amigos, se fazem planos para o futuro. Para a narrativa, interessa apenas confrontar os adultos à sua impotência diante dos atos de um menininho. Existe um componente perverso em jogar Sarah e John aos leões, sem sequer construir uma história para ambos fora do lar. Mais do que pais, eles são vistos como vítimas.

    A melhor parte de Maligno se encontra na primeira metade, quando o filme se desenvolve através de uma série de sugestões. As atitudes de Miles podem ser justificadas por uma doença mental, por uma forma de autismo associado ao QI elevado, por abusos familiares, ou então por fenômenos sobrenaturais como a reencarnação e a possessão demoníaca. O roteiro sabe brincar com as sugestões, fornecendo elementos suficientes para se adotar uma tese ou outra, de acordo com seu nível de ceticismo. O suspense psicológico se acentua pela percepção do impasse: enquanto não descobrem a solução, os impulsos de Miles tornam-se cada vez mais agressivos. “Eu não me sinto seguro com ele em casa”, confessa o pai. Como amar e proteger aquele que poderia te matar? Os pais têm o direito de não amar os filhos?

    Infelizmente, à medida que se explica, a narrativa perde a sua força. Entre tantas alternativas propostas, o filme revela exatamente o que aflige o garoto, desde quando, quais são os riscos para a família e de que maneira reverter o caso. Se a ambiguidade inicial permitia uma provocação ao espectador, um jogo de adivinhações e hipóteses, a segunda metade se desvenda com uma transparência implacável. A tentativa de plantar indícios “sutis” para esta revelação beira o cômico (a cena da páprica, as imagens no espelho), enquanto o uso de metáforas para mostrar a ambiguidade do bem contra o mal soa evidente demais - vide os olhos bicolores do menino, ou ainda a maquiagem com o rosto parcialmente coberto por uma caveira.

    Embora o roteiro de Jeff Buhler tenha dificuldade de trabalhar as simbologias, a direção de Nicholas McCarthy possui méritos consideráveis. Desde a cena inicial - uma asfixiante fuga à meia luz -, o diretor demonstra a habilidade na construção de clima, elaborando a maior parte das cenas com uma câmera que desliza lentamente em direção aos rostos ou rumo a algum vulto no canto da sala. As composições são elegantes, eficazes, do mesmo modo que a direção de atores permite nuances valiosas. Taylor Schilling, em especial, passa da incompreensão ao medo, raiva e obstinação com destreza, e mesmo o curto encontro com Margaret (Brittany Allen) comprova a presença de um cineasta capaz de construir tensão. Ainda que possua um frágil tratamento dos elementos fantásticos, Maligno transparece um refinamento estético acima da média.

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