Esses homens que salvam o mundo
por Bruno CarmeloQualquer pessoa já deve ter experimentado, ou pelo menos testemunhado, a brincadeira infantil envolvendo bonecos de soldados e pilotos. As crianças (garotos, em geral) simulam a prática de atirar, ordenar ataques e comandar planos infalíveis contra os inimigos. Neste imaginário simplificado da guerra, pouco importa quem está matando ou morrendo. Ignora-se a personalidade de cada indivíduo e as motivações da batalha. Trata-se do jogo de mocinhos contra bandidos, no qual opera a lógica das pulsões imediatas e da impressão de controle e grandiloquência (é a criança que, em sua fantasia, resgata mocinhas e crianças, destrói adversários e salva o dia).
Esta configuração resume muito bem a estrutura de um filme como O Chamado do Lobo, no qual uma dúzia de homens, dentro de um submarino, decide quando lançar mísseis e atacar forças estrangeiras que podem despertar uma guerra nuclear e, consequentemente, “o apocalipse”, de acordo com um personagem. Desde a primeira cena, a tripulação está preocupadíssima com um resgate. A câmera treme de um rosto ao outro, os diálogos multiplicam os jargões marítimos com uma seriedade que apenas pode significar um perigo gravíssimo. No entanto, o espectador desconhece as pessoas a serem salvas, a identidade do inimigo, as personalidades dos salvadores. Os planos de resgate são arriscados, mas fica difícil saber se estamos perto ou longe do alvo já que a estratégia jamais foi compartilhada com o público. Os corajosos homens de uniforme nada mais são do que bonecos nas mãos do diretor Antonin Baudry.
O problema deste filme de ação sobre homens destemidos, inteligentes e incorruptíveis é seu anacronismo. O Chamado do Lobo nasceu 30 anos atrasado: talvez, no final dos anos 1980 ou no início dos anos 1990, esta demonstração de bravura patriótica à la americana fosse culturalmente aceitável, e François Civil despontasse no cenário internacional como um Tom Cruise francês. Ora, nos dias de hoje, a representação simplória da geopolítica mundial (onde o inimigo corresponde ao fetiche do vilão árabe e russo), da participação feminina (a pobre Paula Beer serve apenas para dormir com o mocinho, reforçando a virilidade deste) e da coletividade (com exceção de Civil e seu chefe, os demais marinheiros são perfeitamente intercambiáveis, sem personalidade definida) transparecem uma pobreza narrativa lamentável.
O mundo é idealizado, fatalista, esforçando-se a converter os personagens em heróis ou mártires, de acordo com a necessidade. “Mas essa é uma ordem direta do presidente, não podemos descumpri-la!”, gritam os homens sempre sérios demais, dispostos a morrer pela ordem recebida num fax, sem contestação. Em pleno século XXI, quando tantos líderes mundiais são questionados (para não dizer ridicularizados) por seus próximos e pela comunidade internacional, a sacralidade da hierarquia masculina se converte em retorno nostálgico ao machismo pré-reivindicações dos movimentos minoritários e pré-redes sociais, pela incapacidade de incorporar a voz da população civil nesta disputa global. Aliás, é curioso que tanto o presidente fantasmático quanto o povo estejam ausentes desta iminência da Terceira Guerra Mundial.
Mesmo assim, os produtores e o elenco acreditam bastante na eficácia do projeto, investindo um orçamento considerável e contando com atores de peso do cinema francês: além de Civil, estão presentes Omar Sy, Reda Kateb, Mathieu Kassovitz, Damien Bonnard. Existem planos aéreos, incêndios e submarinos suficientes para encher os olhos, além de muita música orquestrada, discursos inspiradores e frases de efeito sobre a bravura e o dever. Faltou apenas incluir, ao final dos créditos, um convite para o espectador se alistar nas forças armadas. Aí reside o problema mais grave deste blockbuster: desprovido de qualquer leveza ou distanciamento, ele mergulha nos prazeres da ação sem perceber que representa um mundo que não existe mais, ou que talvez jamais tenha existido. Embora se aproxime do risível, especialmente no terço final, o filme se desenvolve com o comprometimento do garotinho alienado ao mundo fora de seu quarto, acreditando que vai salvar o mundo com seus G.I. Joes.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2019.