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    A Ilha de Bergman
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    Billy Joy
    Billy Joy

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    4,0
    Enviada em 28 de dezembro de 2021
    De início, drama referencial desinteressante e até formalmente pasteurizado. Como não há dedicação articulada dramaticamente no entorno dessa constante alternância de espaços e situações, fica a impressão que Bergman Island resultaria num Viagem à Itália pouco inspirado. Contudo, a situação transfigura-se em história moldura de uma narrativa classicista de incomum sensibilidade. E, então, tudo parece ressignificado a partir da força dessa introjeção narrativa.

    O segmento inicial, centralizado nos personagens de Roth e Krieps, até apresenta certo naturalismo que mantém um mistério acerca da história. Detalhes, como as instruções de um GPS durante o caminho até a ilha, recebem especial atenção nesse alongamento sequencial que situa a unidade do filme numa abordagem singela de pequenas situações. É certo, contudo, que a dificuldade de se manter um ritmo dramaticamente eficaz no entorno das relações estabelecidas torna enfadonho todo esse caráter naturalista. O que mantém vivo algum interesse é a dialética autorreferencial em torno da memória de Bergman. Ainda que esteticamente não haja uma articulação capaz de explorar a ambiguidade daqueles espaços-cenário, toda essa relação entre artista/obra e a visão conflitante da protagonista com relação a Bergman abre caminhos para abstrações acerca do que a mise-en-scène progressivamente desenvolve.

    E então, como que num acidente de percurso bem-aventurado, o “filme dentro do filme” em Bergman Island eleva toda a sua concepção a um nível que soa até surpreendente. A utopia do encontro aqui é conduzida com tamanha leveza cênica, com tamanho apuro estético acerca das nuances entre diegese e voz em off, que parece ter saído de outra era cinematográfica. Se esse romance no entorno do encontro utópico nunca deixou de existir na história da sétima arte, sua existência no filme de Hansen-Love renega certos aspectos contemporâneos e resgata um classicismo voltado aos significados imediatos da cena. Enquanto a narração já estabelece o tom das atitudes presentes no quadro, resta ao quadro em si desenvolver seu aspecto imagético complementar que reforce, com a maior sinceridade possível, essas atitudes.

    Mia Wasikowska está tão estupenda aqui que sua presença em tela parece perene. Até mesmo durante a história-moldura, fica a impressão de que Wasikowska está ali, como que esperando a deixa para surgir novamente no plano. No cinema, não é o destino que tem uma face, mas a face que revela seu destino , Bazin conjectura, e a face de Wasikowska parece imprimir um destino ao filme que, antes de sua aparição, soava nebuloso. A força de um mero olhar, sua fisicalidade como um elemento alheio às meras festividades e espaços da ilha, como algo que transcende a materialidade em busca do amor que escorre pelas arestas de obrigações sociais, sua Amy é vida expressiva que emerge da inércia narrativa.

    Esse segmento do filme acaba funcionando, então, como um elemento ressignificante da parte de Krieps e Roth. Se no imediatismo da cena não se consegue extrair verdadeira força dramática acerca das angústias próprias estabelecidas pelo roteiro, acontece uma releitura a respeito do que se passou. É nessa visão retroativa que o dilema do fazer criativo se apresenta. Se a parte inicial é desinteressante, isso se deve, parcialmente, pela desglamourização dessa atividade criadora. O que a história-moldura realiza é precisamente uma investigação dialética no entorno da beleza fugaz do segmento de Wasikowska.

    E é na alternância de linhas e ritmos narrativos que Bergman Island perpassa as diferentes etapas do fazer criativo. Inicialmente, a ideação errante, uma espécie de exploração de situações e espaços ainda de pouca concretização dramática. Somos então conduzidos ao desenvolvimento concreto da história, um fluxo narrativo que, ao mesmo tempo em que pincela elementos de sua história-moldura, mantém um mistério inerente à natureza das grandes narrativas. Por fim, numa metalinguagem que escapa do didatismo, há o fazer cinematográfico per se. Como não há filme sem a sua concretização visual (ou “o papel aceita tudo”) a história contada é, para a personagem de Krieps e para a estrutura do filme, um ponto de partida, ideia-raiz de um empreendimento artístico a ser desenvolvido, e é precisamente por isso que não continuamos com Wasikowska como Amy até o final do filme. Afinal de contas, não há personagem sem ator. O deslumbramento criativo precisa dar espaço à sua concretização mecânica.

    Ao contrário do que poderia se imaginar de início, a vida e obra de Bergman não se torna referencial explícito às relações no entorno da personagem de Krieps. Há, na verdade, a articulação de uma atitude acerca desses espaços uma vez habitados pelo cineasta como ambientes propícios para a atividade de abstração criativa do artista. Chris não busca fazer um filme que fale de Bergman (suas citações acabam sendo meros objetos de interesse passageiros) e sim utilizar das vivências na ilha para extrair de seu subconsciente uma obra íntima e, ao mesmo tempo, clássica em sua abordagem dramática.

    Não poderia ser diferente, tendo o filme estabelecido tamanhos contrastes entre a suposta pessoa Bergman e a visão de mundo de Chris. Se a personagem fala que admira a obra do diretor sueco, mas não consegue colocar em palavras o que realmente sente a partir dela, é porque não existe essa necessidade quando o fazer artístico busca inspiração numa atitude que transcende o mero dispositivo referencial. Muito mais do que tributo explícito a um grande cineasta, Bergman Island é sobre atitude criadora, sobre como o fazer fílmico inspirado no gênio pode transcender a mera homenagem estilística.
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