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    Joias Brutas
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Joias Brutas

    Apostando alto

    por Francisco Russo

    Com poucos filmes no currículo, é impressionante como os irmãos BennyJosh Safdie já estabeleceram uma assinatura cinematográfica tão intensa e reconhecível. Tal qual seu antecessor Bom Comportamento, em Uncut Gems há a procura por uma narrativa frenética e explosiva, onde seu personagem principal tateia os rumos a seguir de acordo com as oportunidades que surgem, sem saber muito bem aonde chegar. Entretanto, mais do que propriamente o que acontece, chama a atenção como acontece.

    Fãs da experiência sensorial, os Safdie contam uma história muito através também de sua ambientação, seja ela visual ou mesmo sonora. Volta e meia os personagens falam ao mesmo tempo e, mais importante do que compreendê-los, é entender a situação de conflito ali existente. Da mesma forma, a trilha sonora tecno traz ao filme um ar hipnótico, remetendo aos trabalhos cinematográficos do duo Daft Punk, enquanto a fotografia valoriza o neon e o brilho de roupas berrantes no escuro, tão bem visto na sequência da boate. Tal cenário traz ao filme um deslumbre visual impressionante, que promove a imersão do espectador rumo à realidade do complicado Howard Ratner, ao mesmo tempo envolvido com esposa e amante, agiotas, uma loja de joias para tocar, um astro do basquete bem ansioso e a busca desenfreada em vender uma valiosa pedra não-lapidada, que acaba de chegar da Etiópia. Como? Escondida na barriga de peixes congelados.

    Tal informação já adianta que o universo de Howard passa à margem da legalidade, assim como acontecia com o personagem de Robert Pattinson em Bom Comportamento. Se neste caso ainda há a loja de joias como formalidade, esta no fim das contas serve mais como pano de fundo para todo tipo de cambalacho que proporcione a chance de faturar muito. Soma-se a isso a urgência decorrente das constantes mudanças de rumo empregadas por Howard, que dão ao filme um ar de imprevisibilidade em meio a uma sufocante espiral crescente de tensão.

    Neste cenário, surge Adam Sandler como o surpreendente intérprete de Howard. Mais afeito às comédias vulgares e apelativas que protagoniza ano sim e no outro também, agora na Netflix, o comediante muito de vez em quando já demonstrou sua capacidade em papéis mais sérios, como em Embriagado de AmorOs Meyerowitz: Família Não Se Escolhe e Homens, Mulheres e Filhos. Por mais que Uncut Gems não traga sua melhor atuação, trata-se de um personagem extremamente rico que combina muito bem com os cacoetes típicos do ator. Soma-se a isso a entrega de Sandler em um papel que lhe exige bastante, seja pelo temperamento explosivo ou mesmo pelo lado físico. O resultado é um dos melhores personagens de sua carreira, que merecidamente pode lhe render prêmios.

    Há ainda um outro elemento importante nesta narrativa onde tudo pode acontecer: a paixão pelo basquete, tão típica do americano. Se ela inicialmente se manifesta através da decoração do escritório de Howard, o filme ainda conta com o inusitado de ter uma estrela da NBA interpretando a si mesma. Kevin Garnett é mais do que uma mera participação especial, mas personagem essencial pelo que representa dentro da trama: a ascensão do novo rico, sem muito apuro estético mas dinheiro suficiente para comprar o que quiser. Isso sem falar que, por ser um ídolo do esporte, ainda exala o fascínio de seu convívio, como se fosse uma permissão dada a mortais (e fãs) como Howard.

    Surpreendente e impressionante, Uncut Gems é um filme de ritmo frenético que não apenas reafirma a competência dos irmãos Safdie como habilidosos construtores de narrativa como, também, resgata Adam Sandler do limbo em que estava, provando que pode ser bastante útil longe do seu habitat natural cinematográfico. No melhor estilo tudo ao mesmo tempo agora, o filme pulveriza personagens aqui e ali para tão bem explorá-los em momentos explosivos, que surgem em decorrência de situações absolutamente triviais. É desta conjunção inusitada, aliada ao impacto visual e sonoro, que está a grande beleza deste longa-metragem.

    Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.

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