Atirando em todos
por Lucas SalgadoMichael Moore talvez seja o mais bem sucedido documentarista da história. Seus filmes já faturaram cerca de US$ 350 milhões nas bilheterias mundiais e ele levou um Oscar para casa em 2003, por Tiros em Columbine. Tal premiação, inclusive, foi responsável por fazê-lo conhecido mundialmente. Não pela estatueta, mas pelo potente e polêmico discurso contra o então presidente George W. Bush. A partir de então, Moore passou a ser ainda mais político em seus filmes, como mostrou em Fahrenheit 11 de Setembro, Sicko - S.O.S. Saúde, Capitalismo - Uma História de Amor e O Invasor Americano.
Agora, 14 anos após o primeiro Fahrenheit, o diretor lança Fahrenheit 11/9 (Fahrenheit 11 de Novembro, na tradução livre). Ao anunciar a produção, Moore destacou que era seu filme sobre o governo de Donald Trump. Sem dúvida, o ex-apresentador de O Aprendiz e atual Presidente dos Estados Unidos é o foco principal dos ataques do cineasta. Mas Michael Moore, que chegou a escrever um artigo no início da campanha presidencial apontando a vitória de Trump, não que apenas atacar o político, mas também apontar como foi possível seu surgimento.
Neste sentido, é importante destacar que Moore segue sendo o tipo manipulador e parcial de sempre, mas que dessa vez atira para todos os lados. Os democratas também recebem parte da ira do diretor, que explica os principais erros da campanha de Hillary Clinton. Habilidoso como de costume, Moore mescla entrevistas e imagens de arquivo.
Se por um lado é muito válida a tentativa de abordar várias frentes, parece claro também que a mesma não foi bem sucedida. Aí não digo apenas da decisão de atacar democratas e republicanos. É mais do que isso. Moore se perde um pouco ao abordar a trama em várias frentes.
Ao invés de centrar sua atenção em Trump e concorrentes políticos, o documentarista acaba voltando para sua terra natal para mostrar o desastre do governo local, que contaminou inúmeras crianças da região. Depois, trata de mobilizações de professores e alunos de uma escola que sofreu um tiroteio recentemente. Como podem ver, Moore reúne elementos de Fahrenheit 11 de Setembro, Roger e Eu e Tiros em Columbine.
Buscando acertar todas essas frentes, o filme acaba se perdendo um pouco da abordagem narrativa. Ainda assim, oferece momentos leves e divertidos, mesmo diante de um cenário desolador, como é o momento em que leva um caminhão-pipa com água contaminada para a casa do governador.
O novo longa erra ainda na abordagem de alguns elementos da personalidade do político, como sua relação com a filha. Ao reunir inúmeras imagens e depoimentos pessoais, o filme aponta para uma relação quase que inquietante e perturbadora. No mesmo sentido, a obra escorrega ao insistir nas comparações entre Trump e Hitler. Em forma de alerta seria algo a se pensar, mas da forma colocada acaba ultrapassando um pouco o limite.
Em meio a 120 minutos de um discurso confuso, mas com partes bastante relevantes, Michael Moore defende que os Estados Unidos é um país de esquerda, mostrando que boa parte da população concorda com políticas de um viés menos conservador. O diretor aponta ainda para o fato impressionante dos democratas terem vencidos seis das últimas sete disputas presidenciais se olharmos apenas para o voto popular, deixando de lado os colégios eleitorais.
Moore fez uma produção sobre Trump mostrando muita coisa que já choca o mundo sobre o político, mas dentro deste filmes fez pelo menos mais dois (sobre a crise da água em Flint e sobre a mobilização social nos EUA). E esses dois "filmes dentro do filme" são bem mais interessantes.
Filme visto durante a cobertura do Festival de Toronto, em setembro de 2018.