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    O Caso do Homem Errado
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    O Caso do Homem Errado

    Rostos que falam

    por Bruno Carmelo

    “Essa história é a mais pura verdade, embora retrate as maiores mentiras”, afirma um letreiro no início de O Caso do Homem Errado. Muitos documentários acreditam que a sua visão do mundo constitui a “pura verdade”, mas é raro encontrar um projeto disposto a afirmá-la de modo tão claro, como se a própria imagem não fosse capaz de transmitir esta impressão. Ou então, como se o espectador não fosse capaz de deduzir tais informações sozinho. Mas afinal, talvez seja este o ponto de vista que move este projeto: a descrença na vocação artística e reflexiva do cinema, assim como a descrença no espectador como interlocutor capaz de processar conceitos.

    As intenções do documentário são de extrema relevância neste país em que a juventude negra constitui o principal alvo da violência policial e de violações de direitos humanos. A diretora Camila de Moraes ostenta uma tese clara: o caso de Júlio César de Mello Pinto, assassinado por policiais nos anos 1980 ao ser confundido com um ladrão, reflete dezena de histórias semelhantes até hoje. O principal motor deste crime constitui o racismo institucional, fator que os entrevistados detalham com força e com riqueza de exemplos. Mesmo as estatísticas confirmam o encarceramento em massa de homens negros e jovens, em comparação com indivíduos brancos vistos como “menos suspeitos” pelas autoridades. Através da história de Júlio, a cineasta questiona a ideologia segregacionista de um país inteiro.

    Infelizmente, os caminhos cinematográficos encontrados para veicular esta importante mensagem são bastante fracos. O filme aposta em close-ups extremos de uma dezena de entrevistados, cujos olhos ou bocas recortados na tela reconstituem a história de Júlio passo a passo. A diretora não busca imagens por conta própria, não procura arquivos, datas, informações conflitantes, nem cenas capazes de dialogar, por associação ou metáfora, com o caso acontecido. Temos apenas os relatos costurando uma mesma história, concordando nos fatos (o assassinato) e na interpretação (o racismo), como se fossem uma voz única.

    O resultado é uma cansativa verborragia: para a montagem, as repetições constituem prova de veracidade. Quando uma pessoa afirma que a viatura dos policiais era um Fusca, a montagem pula para outra, que afirma ter visto um Fusca no local. “Está vendo como era realmente um Fusca?”, parece insistir o filme. "I rest my case”. A edição sequer permite momentos de descanso ou recursos simples como uma dissociação entre som a imagem, alguma fala sobreposta a outros rostos e outras cenas. É triste encontrar um projeto cinematográfico no qual a imagem importe tão pouco: o projeto se apoia sobretudo nas confissões sonoras, cabendo à imagem fornecer um suporte ao som, com uma fotografia em preto e branco mal cuidada, uma nitidez extrema nas peles, e uma unidade de cenário que deixa a impressão de termos todos os entrevistados no mesmo local, sentados juntos.

    Para um filme-denúncia, tão preocupado em sustentar uma tese, o projeto negligencia sua responsabilidade investigativa, preferindo um cinema na terceira pessoa, no pretérito imperfeito. Em outras palavras, tenta utilizar a memória como prova. Não é difícil acreditar nas palavras destes defensores dos direitos humanos e amigos de Júlio. No entanto, O Caso do Homem Errado não fornece argumentos cinematográficos para corroborar o seu ponto de vista. Somos levados a acreditar nestas pessoas porque sua raiva é palpável, seu discurso é plausível - de fato, dezenas de jovens negros são executados regularmente - e porque não existe nenhuma outra versão dos fatos. Aqui, a quantidade (de entrevistas) deseja se passar por qualidade (de análise). O cinema se torna menos um veículo de reflexão e criação do que uma plataforma suplementar para difundir uma mensagem importante.

    Filme visto no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em julho de 2018.

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